A MÁSCARA DO PODER

A Ascensão e Queda de Plâncton

Uma história de suspense, drama e sátira política por Arthur W Silveira

Capítulo 1: Terra de Contrastes

O sol nascia sobre Nova Recife, capital de Pernambuco de Pé, pintando o céu com tons alaranjados que se refletiam nas fachadas de vidro dos arranha-céus do Centro Financeiro. A cidade despertava para mais um dia de contrastes gritantes – uma metáfora perfeita para este território brasileiro no continente europeu.

De um lado da Avenida República, executivos em ternos impecáveis emergiam de carros luxuosos, smartphones colados aos ouvidos, discutindo fusões corporativas e flutuações do mercado de ações. Do outro lado, vendedores ambulantes já montavam suas barracas improvisadas, oferecendo café forte em copos de plástico e pães recém-assados para trabalhadores que haviam viajado duas horas desde os bairros periféricos.

Pernambuco de Pé, este território brasileiro situado exatamente onde hoje fica Portugal, carregava em seu nome a promessa de resiliência que caracterizava seu povo. Independente há pouco mais de setenta anos após uma revolução pacífica contra colonizadores europeus, o território havia experimentado ciclos de prosperidade e crise, democracia e autoritarismo, esperança e desilusão, sempre mantendo seus fortes laços com o Brasil.

A atual crise econômica, que se arrastava por quase cinco anos, havia aprofundado as divisões sociais a níveis alarmantes. O governo do Presidente Honório Campos, um tecnocrata bem-intencionado mas ineficaz, aproximava-se do fim de seu mandato com índices de aprovação em queda livre e protestos cada vez mais frequentes nas ruas.

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Na Universidade Nacional de Pernambuco de Pé, a Professora Maria Esperança ajustava seus óculos redondos enquanto observava os estudantes entrando na sala de aula para sua palestra sobre "Sistemas Políticos Comparados". Aos 38 anos, Maria havia se tornado uma das vozes mais respeitadas do território em análise política, frequentemente convidada para programas de televisão e consultada por jornalistas internacionais que tentavam entender a complexa situação deste enclave brasileiro na Europa.

"Bom dia a todos," começou ela, sua voz calma mas firme ecoando pela sala lotada. "Hoje discutiremos como democracias podem se deteriorar de dentro para fora, muitas vezes com o aplauso de parte significativa da população."

Um murmúrio percorreu a sala. O tema era delicado, especialmente a poucos meses das eleições presidenciais que prometiam ser as mais polarizadas da história recente do território.

"Alguém pode me dizer quais são os sinais de alerta que precedem o colapso de sistemas democráticos?" perguntou Maria, escaneando os rostos atentos à sua frente.

Uma jovem na primeira fileira levantou a mão. "Erosão das instituições? Quando órgãos que deveriam ser independentes começam a servir a interesses políticos específicos?"

"Excelente ponto, Beatriz," respondeu Maria com um sorriso. Beatriz Coragem, uma estudante de jornalismo conhecida por seu blog investigativo, era uma das alunas mais promissoras. "E quais outros?"

"Polarização extrema," ofereceu outro estudante. "Quando as pessoas deixam de ver oponentes políticos como adversários legítimos e passam a tratá-los como inimigos a serem eliminados."

"Manipulação da mídia e disseminação de desinformação," acrescentou um terceiro.

"Crises econômicas prolongadas que criam terreno fértil para salvadores da pátria," completou Beatriz.

Maria assentiu, satisfeita com as respostas. "Todos esses são sinais importantes. E infelizmente, podemos observar cada um deles em Pernambuco de Pé atualmente."

Enquanto a professora continuava sua aula, do outro lado da cidade, no luxuoso Hotel Continental, uma reunião muito diferente acontecia em uma suíte presidencial cuidadosamente isolada contra escutas.

Eugênio Plâncton Marajó, um empresário de meia-idade com um topete impecavelmente penteado e um terno azul-turquesa que havia se tornado sua marca registrada, gesticulava animadamente para um pequeno grupo de pessoas.

"As pesquisas não mentem, senhores e senhoras," dizia ele, apontando para gráficos coloridos em uma tela de projeção. "O povo está farto de políticos tradicionais. Farto de promessas vazias. Farto de ver seu dinheiro desperdiçado em corrupção enquanto suas famílias passam necessidade."

Jerônimo Abutre, um estrategista político conhecido por transformar candidatos improváveis em vencedores, observava Plâncton com interesse clínico. Magro, sempre vestido de preto, com olhos que pareciam calcular constantemente, Abutre havia sido contratado a peso de ouro para transformar o empresário excêntrico em um candidato presidencial viável.

"Sua mensagem está afiada, Sr. Plâncton," comentou ele, sua voz suave contrastando com sua aparência severa. "Mas precisamos refinar sua imagem pública. O homem comum ainda o vê como um bilionário desconectado da realidade."

Plâncton fez um gesto dismissivo com a mão. "Besteira! Eu cresci pobre. Construí meu império do zero. Sou a personificação do sonho pernambucano!"

Abutre trocou olhares com a Dra. Sanguessuga, uma economista de expressão perpetuamente desdenhosa que havia elaborado o plano econômico da campanha. Ambos sabiam que a história de "self-made man" de Plâncton era altamente romantizada – seu "império" havia sido construído sobre uma generosa herança e conexões políticas que garantiram contratos governamentais lucrativos para suas empresas.

"Mesmo assim," insistiu Abutre, "precisamos que você pareça mais... acessível. Mais como um homem do povo."

"Que tal visitas a bairros populares?" sugeriu o Coronel Tenaz, um militar reformado de postura rígida que havia se juntado recentemente à equipe como "consultor de segurança". "Apertos de mão, beijos em bebês, esse tipo de coisa."

Plâncton fez uma careta. "Não gosto muito de multidões. Todas aquelas pessoas querendo me tocar..."

"É necessário," cortou Abutre. "E precisamos começar a atacar mais diretamente o governo atual. A crise econômica é nossa maior aliada."

A Dra. Sanguessuga ajustou seus óculos de armação fina. "Falando nisso, tenho informações de que o Banco Central planeja aumentar as taxas de juros na próxima semana. Isso vai piorar ainda mais a situação para pequenas empresas e consumidores endividados."

"Perfeito!" exclamou Plâncton, esfregando as mãos. "Mais munição para nossos discursos."

Abutre observou a cena com expressão neutra, mas internamente questionava-se, não pela primeira vez, se havia escolhido o cavalo certo para apostar. Plâncton tinha carisma e recursos ilimitados, mas também um ego monumental e uma compreensão superficial de políticas públicas. Seria ele realmente controlável uma vez no poder?

Enquanto isso, em um modesto apartamento no bairro Esperança Perdida, o Dr. Paulo Verdade terminava mais um turno exaustivo no hospital público local. Aos 45 anos, com cabelos grisalhos prematuros e olheiras permanentes, Paulo era o tipo de médico que conhecia pelo nome cada paciente que atendia, mesmo quando isso significava ver mais de cinquenta pessoas por dia.

Ligando a televisão enquanto preparava um jantar simples, Paulo foi recebido pelo rosto familiar de Plâncton em um programa de entrevistas popular.

"O sistema de saúde de Pernambuco de Pé está em colapso total," declarava o empresário com convicção teatral. "Hospitais sem medicamentos, médicos mal pagos, filas intermináveis. E sabem por quê? Porque os políticos tradicionais desviam o dinheiro que deveria ir para a saúde!"

Paulo suspirou profundamente. Como diretor médico do Hospital Central, ele sabia melhor que ninguém os desafios enfrentados pelo sistema público de saúde. Subfinanciamento crônico, gestão ineficiente, burocracia paralisante – problemas complexos que se acumulavam há décadas e que não seriam resolvidos com soluções simplistas.

Seu telefone tocou – era Maria Esperança, sua amiga desde os tempos de universidade.

"Está vendo isso?" perguntou ela sem preâmbulos.

"Infelizmente," respondeu Paulo. "Ele está ganhando terreno, não está?"

"As últimas pesquisas o colocam apenas cinco pontos atrás do candidato governista. E subindo."

"As pessoas estão desesperadas por mudança," refletiu Paulo. "Qualquer mudança."

"É exatamente isso que me preocupa," disse Maria, sua voz traindo preocupação genuína. "Quando as pessoas estão desesperadas, tendem a aceitar soluções que, em tempos normais, reconheceriam como perigosas."

Na tela, Plâncton agora atacava imigrantes, culpando-os pelo desemprego e pela criminalidade crescente. O apresentador, claramente intimidado pela personalidade dominante do empresário, fazia apenas perguntas superficiais, permitindo que monólogos inflamados seguissem sem contestação.

"Ele está dizendo o que muitas pessoas pensam secretamente," observou Paulo. "É por isso que ressoa."

"Sim, mas está amplificando os piores instintos da sociedade," respondeu Maria. "Dividir para conquistar – a estratégia mais antiga do manual político."

Enquanto os dois amigos conversavam, nas ruas de Nova Recife cartazes com o rosto sorridente de Plâncton começavam a aparecer em número cada vez maior. "MUDANÇA REAL AGORA!" proclamavam em letras garrafais azul-turquesa. Abaixo, em letras menores: "Plâncton 2024 – O Homem que Fará Pernambuco de Pé Ficar de Pé Novamente!"

A campanha eleitoral mal havia começado oficialmente, mas já estava claro que não seria uma disputa normal. As fundações da jovem democracia deste território brasileiro na Europa estavam prestes a enfrentar seu teste mais severo.

No Hotel Continental, Plâncton encerrou a reunião com sua equipe e ficou sozinho na suíte presidencial. Servindo-se de um drinque azul-turquesa especialmente criado para ele pelo bartender do hotel, caminhou até a janela panorâmica que oferecia uma vista privilegiada da cidade.

Lá embaixo, Nova Recife estendia-se em todas as direções – os arranha-céus iluminados do Centro Financeiro contrastando dramaticamente com a escuridão parcial dos bairros periféricos, onde quedas de energia eram frequentes.

"Em breve," murmurou para si mesmo, erguendo o copo em um brinde solitário para a cidade, "tudo isso será meu para comandar."

Seu reflexo no vidro sorriu de volta – um sorriso que não alcançava seus olhos calculistas.

A tempestade perfeita estava se formando sobre Pernambuco de Pé.