A MÁSCARA DO PODER

A Ascensão e Queda de Plâncton

Uma história de suspense, drama e sátira política por Arthur W Silveira

Capítulo 7: A Resistência se Organiza

O amanhecer em Nova Recife trouxe consigo uma tensão palpável que parecia impregnar o próprio ar. Havia algo diferente naquela manhã – não apenas o habitual medo que dominara a capital de Pernambuco de Pé nos últimos meses, mas uma expectativa silenciosa, como a calma que precede uma tempestade.

No Palácio Presidencial, Plâncton havia passado a noite em claro, alternando entre acessos de fúria paranoica e momentos de calma calculista enquanto finalizava o que chamava de seu "plano de contingência final". Seu rosto, outrora bronzeado e cuidadosamente mantido para as câmeras, agora mostrava os sinais evidentes de noites sem dormir e estresse constante – olheiras profundas, pele pálida, e o tique nervoso no olho esquerdo que se tornara mais pronunciado a cada dia.

"Os relatórios de inteligência confirmam," informava o Coronel Tenaz, que também parecia exausto após semanas de crise crescente. "A frota americana no Mediterrâneo está em movimento. Estimamos que possam iniciar operações em menos de 24 horas."

Plâncton observava um mapa digital na parede de seu bunker subterrâneo – uma instalação secreta construída nos primeiros dias de seu governo, projetada para resistir até mesmo a ataques convencionais de precisão. Pontos vermelhos indicavam a posição aproximada dos navios americanos.

"E o Projeto Escorpião?" perguntou, sua voz estranhamente calma.

"Fase final concluída às 03:47 desta manhã, senhor Presidente. Os cientistas confirmam que o sistema está... operacional."

Um sorriso lento espalhou-se pelo rosto de Plâncton – não o sorriso carismático que costumava exibir em comícios, mas algo mais frio, quase predatório. "Excelente. Então temos nossa carta de negociação final."

"Senhor," hesitou o Coronel, "devo lembrar que mesmo com o projeto operacional, um ataque americano coordenado poderia neutralizar nossas instalações antes que pudéssemos implementar uma resposta efetiva."

"É por isso que não esperaremos que eles ataquem," respondeu Plâncton, aproximando-se do mapa. "Programaremos uma demonstração. Algo pequeno, mas inequívoco. Um aviso do que podemos fazer se forçados."

O Coronel empalideceu visivelmente. "Uma... demonstração? Senhor, isso significaria—"

"Sacrifícios são necessários em tempos de guerra, Coronel. E não se engane – estamos em guerra. Uma guerra pela sobrevivência de nosso regime, de nossa visão para Pernambuco de Pé."

Antes que o Coronel pudesse responder, a porta do bunker abriu-se e Jerônimo Abutre entrou, seu rosto impassível como sempre, embora observadores atentos pudessem notar uma tensão sutil em seus movimentos.

"Senhor Presidente, a Dra. Sanguessuga solicita sua presença na sala de crise. Há desenvolvimentos econômicos urgentes que requerem atenção imediata."

Plâncton franziu o cenho, irritado pela interrupção. "Nada é mais urgente que nossa segurança nacional neste momento."

"Compreendo, senhor, mas trata-se de uma corrida aos bancos. Cidadãos estão tentando sacar todas suas economias simultaneamente. O sistema financeiro está à beira do colapso."

Após um momento de hesitação, Plâncton assentiu. "Muito bem. Coronel, continue os preparativos para nossa... demonstração. Quero tudo pronto para implementação às 18:00 horas. Abutre, leve-me até Sanguessuga."

Enquanto os três homens saíam do bunker, nenhum notou a pequena luz vermelha piscando discretamente sob a mesa de conferência – indicação de que o sistema de segurança havia detectado uma anomalia. Uma anomalia que, em circunstâncias normais, teria acionado alarmes imediatos, mas que devido a uma "falha técnica" conveniente, permaneceu silenciosa.

A quilômetros dali, em um apartamento abandonado no distrito industrial, Maria Esperança observava uma tela de computador com expressão grave. Ao seu lado, um jovem técnico – um dos poucos sobreviventes da equipe original de Miguel – monitorava a transmissão.

"Conseguimos," murmurou ele, quase incrédulo. "O microfone que plantamos no bunker está funcionando. E eles não detectaram a intrusão no sistema de segurança."

Maria assentiu, seu rosto uma máscara de determinação. "Grave tudo. E prepare transmissões seguras para nossos contatos americanos e para todas as células de resistência. Precisamos agir agora."

Enquanto o técnico trabalhava, Maria pegou um rádio modificado – parte da rede de comunicação clandestina que a resistência havia construído pacientemente nos últimos meses.

"Aqui é Esperança," disse ela, usando seu codinome de resistência. "Protocolo Amanhecer está ativado. Repito: Protocolo Amanhecer está ativado. Todas as células devem implementar planos de contingência imediatamente."

Por toda Nova Recife e além, em cidades e vilas por todo Pernambuco de Pé, receptores cuidadosamente escondidos captaram a mensagem. Homens e mulheres comuns – professores, médicos, estudantes, trabalhadores – que haviam secretamente se preparado para este momento, começaram a implementar planos longamente ensaiados.

No Hospital Central, Dr. Paulo Verdade recebeu a mensagem através de um pequeno receptor escondido em seu estetoscópio. Sem demonstrar qualquer reação visível, continuou sua ronda matinal, mas discretamente fez sinal para uma enfermeira – também membro da resistência – que imediatamente compreendeu e saiu para alertar outros.

Na Universidade Nacional, agora praticamente um posto avançado do regime após expurgos de professores "subversivos", um zelador idoso ouviu a transmissão em um rádio escondido em seu carrinho de limpeza. Calmamente, continuou seu trabalho enquanto se dirigia para um armário de suprimentos específico, onde equipamentos de comunicação haviam sido secretamente armazenados.

Em uma gráfica aparentemente abandonada nos subúrbios, Beatriz Coragem – seu rosto ainda marcado por cicatrizes de seu "encontro" com as forças de segurança – ativou uma impressora antiga mas confiável que começou a produzir panfletos detalhando os planos de Plâncton e convocando a população à resistência.

Por toda a capital e além, pequenas células de resistência que haviam operado isoladamente por meses agora se coordenavam em uma sinfonia de desobediência planejada.

No Palácio Presidencial, completamente alheio à mobilização em curso, Plâncton reunia-se com a Dra. Sanguessuga na sala de crise econômica. Telas mostravam gráficos alarmantes de colapso financeiro iminente.

"Como isso aconteceu?" exigiu ele, golpeando a mesa com o punho. "O sistema bancário estava estável ontem!"

Sanguessuga manteve sua compostura profissional, embora sua tensão fosse evidente para observadores atentos. "Aparentemente, um rumor se espalhou durante a noite – algo sobre o governo congelando contas bancárias como parte do Protocolo Contenção. Começou com algumas retiradas grandes, depois se transformou em pânico generalizado."

"Rumores não surgem do nada," observou Plâncton, seus olhos estreitando-se com suspeita. "Isso foi deliberadamente orquestrado. A resistência?"

"Possivelmente," concordou ela. "Ou poderia ser uma operação psicológica externa. Os americanos têm experiência em desestabilizar economias antes de intervenções militares."

Plâncton considerou por um momento, então tomou uma decisão. "Congele todas as contas. Imediatamente. Limite saques a valores mínimos para necessidades básicas."

"Senhor," protestou Sanguessuga, "isso apenas confirmaria os rumores e poderia desencadear agitação social em larga escala."

"Prefere que nossos recursos financeiros desapareçam completamente?" retrucou ele. "Além disso, agitação social é facilmente controlada com força suficiente. Coronel Tenaz garantirá isso."

Enquanto discutiam, Abutre permanecia silenciosamente ao fundo da sala, observando a interação com expressão ilegível. Seu telefone vibrou discretamente – uma mensagem codificada de um contato dentro da embaixada americana: "Águia em movimento. ETA 6 horas."

Guardando o telefone calmamente, Abutre verificou seu relógio. O plano que havia elaborado com Sanguessuga precisaria ser acelerado. Não havia mais tempo para sutilezas.

Enquanto isso, nas ruas de Nova Recife, os primeiros sinais da resistência coordenada começavam a aparecer. Em diferentes pontos da cidade, pequenas explosões não-letais interromperam o fornecimento de energia para instalações governamentais específicas. Sistemas de comunicação militar experimentaram interferências inexplicáveis. Veículos de transporte de tropas descobriram pneus furados ou tanques de combustível contaminados.

Nenhuma destas ações era, por si só, significativa o bastante para representar uma ameaça séria ao regime. Mas em conjunto, criavam exatamente o que a resistência pretendia: confusão, distração e dispersão de recursos.

No centro de comando da Agência de Segurança Nacional, subordinados do Coronel Tenaz tentavam desesperadamente acompanhar os incidentes que se multiplicavam rapidamente.

"Senhor," relatava um oficial de comunicações visivelmente estressado, "temos relatos de sabotagem em pelo menos doze pontos diferentes da capital. A rede elétrica do Setor 3 está completamente fora do ar. Comunicações com o destacamento norte estão intermitentes. E há... manifestações... surgindo espontaneamente em vários distritos."

O Coronel, que havia retornado ao centro de comando após a reunião no bunker, estudava o mapa tático com expressão sombria. "Isso não é espontâneo. É coordenado. Finalmente mostraram sua mão."

"Ordens, senhor?"

"Implementar Protocolo Martelo imediatamente. Todas as unidades disponíveis nas ruas. Autorização para uso de força letal contra qualquer resistência ativa. Prioridade máxima para proteger instalações do Projeto Escorpião e o Palácio Presidencial."

Enquanto as ordens eram transmitidas, o Coronel fez uma ligação privada para Plâncton. "Senhor Presidente, a resistência iniciou operações coordenadas por toda a cidade. Recomendo que permaneça no bunker até que a situação esteja sob controle."

"Impossível," respondeu Plâncton. "Estou a caminho do centro de comunicações. Preciso fazer um pronunciamento nacional. O povo deve entender que qualquer resistência será esmagada impiedosamente."

"Senhor, isso não é seguro. Permita-me enviar uma escolta—"

"Já tenho escolta. Abutre e Sanguessuga estão comigo, junto com minha equipe de segurança pessoal. Encontre-me no centro de comunicações em trinta minutos."

A ligação foi encerrada antes que o Coronel pudesse protestar novamente. Algo na situação o incomodava profundamente – um instinto desenvolvido em décadas de serviço militar que gritava que algo estava fundamentalmente errado. Mas ordens eram ordens, especialmente vindas diretamente de Plâncton.

Enquanto a capital mergulhava no caos controlado orquestrado pela resistência, Maria Esperança implementava a fase seguinte de seu plano. Em um estúdio de rádio abandonado que havia sido secretamente reativado, ela preparava-se para fazer algo que ninguém havia conseguido em meses: falar diretamente ao povo de Pernambuco de Pé sem a filtragem da máquina de propaganda do regime.

"Estamos prontos," informou um técnico, ajustando equipamentos improvisados. "Conseguimos acesso a várias frequências de rádio governamentais. Não sabemos quanto tempo teremos antes que nos localizem e bloqueiem a transmissão, então..."

"Serei breve e direta," completou Maria, ajustando o microfone. "Comece a transmissão."

Por todo o país, rádios em residências, veículos e espaços públicos subitamente interromperam a habitual programação governamental. Após um breve momento de estática, uma voz feminina – firme, clara e estranhamente familiar para muitos – preencheu o ar:

"Cidadãos de Pernambuco de Pé, aqui fala Maria Esperança. Muitos de vocês me conheceram como professora, acadêmica, comentarista política. Hoje falo a vocês como simplesmente uma cidadã – uma cidadã que, como vocês, viu nosso amado território brasileiro na Europa transformado em uma prisão por um regime tirânico."

Em casas, escritórios e veículos por todo o país, pessoas paravam o que estavam fazendo, atônitas ao ouvir uma voz de dissidência aberta após meses de propaganda monolítica.

"O que vou revelar agora não é rumor ou especulação, mas fato confirmado através de documentos internos do próprio regime. O presidente Plâncton, em seu desespero para manter poder, desenvolveu uma arma biológica de destruição em massa – o chamado Projeto Escorpião. Mais alarmante ainda: ele planeja usar esta arma hoje, às 18:00 horas, em uma 'demonstração' que inevitavelmente resultará em mortes de civis inocentes."

Um murmúrio coletivo de choque percorreu a nação. Em alguns lugares, pessoas saíram às ruas espontaneamente, compartilhando informações, questionando, discutindo.

"Simultaneamente," continuou Maria, "forças americanas estão se aproximando de nossas costas, preparando-se para uma intervenção militar com o objetivo declarado de neutralizar esta ameaça biológica. Dentro de horas, nosso país poderá estar sob ataque externo."

Ela fez uma pausa, permitindo que a gravidade da situação fosse absorvida, antes de continuar com urgência renovada:

"Cidadãos de Pernambuco de Pé, este é o momento de escolha. Podemos permanecer passivos enquanto nosso país é destruído – seja pela loucura de Plâncton ou por bombas estrangeiras. Ou podemos agir. Agora. Juntos."

"A resistência está mobilizada em todo o país. Não somos terroristas ou agentes estrangeiros, como o regime nos rotula. Somos seus vizinhos, colegas, familiares – cidadãos comuns que desejam apenas liberdade e justiça."

"Se você está ouvindo minha voz, este é seu chamado à ação. Não pedimos violência desnecessária, mas resistência determinada. Não obedeçam a ordens imorais. Ajudem a proteger uns aos outros. Unam-se em seus bairros, locais de trabalho, comunidades. O regime parece todo-poderoso, mas sua força real vem apenas de nossa obediência. Quando milhões se recusam a obedecer simultaneamente, nenhuma ditadura pode sobreviver."

"Para aqueles nas forças de segurança: vocês também são cidadãos de Pernambuco de Pé. Suas famílias enfrentam os mesmos perigos que todos nós. Não se tornem cúmplices de crimes contra seu próprio povo. Há um lugar para vocês em um futuro democrático, mas apenas se escolherem o lado certo da história hoje."

"O momento é agora. A escolha é sua. Por um Pernambuco de Pé livre, justo e democrático!"

A transmissão terminou abruptamente quando equipes de segurança finalmente localizaram o estúdio improvisado. Mas o dano – ou o bem, dependendo da perspectiva – já estava feito. A mensagem havia sido ouvida.

O efeito foi imediato e dramático. Em cidades por todo o país, pessoas comuns – muitas que haviam permanecido passivas por medo ou desesperança – começaram a sair às ruas. Não em protestos organizados, mas em uma expressão espontânea de solidariedade cívica que o regime não havia previsto e não estava preparado para enfrentar.

Em Nova Recife, a situação rapidamente evoluiu de incidentes isolados de sabotagem para algo muito mais significativo: um levante popular generalizado. Barricadas improvisadas surgiram em cruzamentos estratégicos. Veículos militares foram bloqueados por multidões pacíficas mas determinadas. Em alguns distritos, forças de segurança simplesmente recuaram, incapazes ou indispostas a usar força letal contra seus próprios concidadãos em tais números.

No centro de comando da Agência de Segurança Nacional, o Coronel Tenaz observava com crescente alarme enquanto relatórios de insubordinação e deserções começavam a chegar de unidades em campo.

"Impossível," murmurou ele, observando o mapa tático onde áreas cada vez maiores da capital apareciam marcadas em vermelho – indicando perda de controle efetivo. "Como isso pôde acontecer tão rapidamente?"

Um oficial de comunicações aproximou-se hesitantemente. "Senhor, estamos recebendo relatórios similares de todas as principais cidades. Protestos em massa. Unidades recusando ordens para usar força letal. Alguns comandantes locais aparentemente negociando com líderes civis."

O Coronel sentiu uma sensação que não experimentava há décadas: medo genuíno. Não apenas pelo colapso da ordem que havia ajudado a impor, mas pela realização súbita de que o regime – seu regime – poderia realmente estar chegando ao fim.

Sua mente militar rapidamente avaliou opções. Ainda havia unidades leais – tropas de elite, forças especiais, esquadrões de segurança pessoal. Suficientes para proteger instalações críticas e possivelmente restaurar ordem em áreas-chave. Mas não para controlar o país inteiro em meio a um levante generalizado.

A decisão estratégica era clara: consolidar forças, proteger ativos críticos, preparar-se para um possível recuo ordenado. Mas havia um problema: Plâncton jamais autorizaria tal estratégia. Ele exigiria repressão total, independentemente do custo.

O Coronel verificou seu relógio. Quase hora de encontrar Plâncton no centro de comunicações para seu pronunciamento nacional. Um pronunciamento que, dadas as circunstâncias, provavelmente apenas inflamaria ainda mais a situação.

Foi então que seu telefone seguro tocou – não o canal oficial, mas uma linha privada conhecida apenas por pouquíssimas pessoas. O identificador mostrava "Abutre".

"Tenaz," atendeu ele brevemente.

"Coronel," a voz de Abutre soava estranhamente calma dadas as circunstâncias. "Mudança de planos. O Presidente não irá ao centro de comunicações."

"Onde ele está?"

Uma pausa breve. "Seguro. Sob nossa proteção. Mas a situação evoluiu. Precisamos implementar o Protocolo Crepúsculo imediatamente."

O Coronel franziu o cenho. Protocolo Crepúsculo era o codinome para a contingência de emergência em caso de incapacitação do Presidente – transferindo autoridade temporária para um triunvirato composto por Abutre, Sanguessuga e o próprio Coronel.

"O Presidente está... incapacitado?" perguntou cuidadosamente.

"Temporariamente impossibilitado de exercer funções," respondeu Abutre, sua voz deliberadamente neutra. "Detalhes pessoalmente. Encontre-me no Ponto Ômega em trinta minutos. Venha sozinho."

A ligação foi encerrada, deixando o Coronel em um dilema profundo. Ponto Ômega era uma casa segura conhecida apenas pelos membros mais internos do regime – um local para contingências extremas. O fato de Abutre invocar este protocolo sugeria que algo drástico havia ocorrido.

Mas poderia confiar em Abutre? Sempre houvera tensões entre os dois – o estrategista cerebral versus o homem de ação militar. E nas últimas semanas, Abutre havia demonstrado hesitação crescente quanto às direções mais extremas de Plâncton.

Por outro lado, se algo realmente havia acontecido com Plâncton, o Protocolo Crepúsculo era a única estrutura legal (dentro do sistema extralegal que haviam criado) para manter alguma semblança de continuidade governamental.

Após um momento de reflexão, o Coronel tomou sua decisão. "Major," chamou seu adjunto, "assuma o comando temporariamente. Mantenha nossas forças em posição defensiva. Sem escalada a menos que absolutamente necessário para proteger instalações críticas. Estarei fora por aproximadamente uma hora."

"Sim, senhor," respondeu o Major, claramente surpreso pela ordem incomum, mas treinado para não questionar.

Enquanto o Coronel preparava-se para sair, verificou discretamente sua arma pessoal e colocou um pequeno dispositivo de comunicação de emergência em seu bolso. Qualquer que fosse a situação que encontrasse no Ponto Ômega, estaria preparado.

Enquanto isso, em um apartamento modesto no distrito universitário, Maria Esperança e sua equipe monitoravam o desenrolar dos eventos através de uma rede improvisada de comunicações. Relatórios chegavam de células de resistência por todo o país – alguns triunfantes, outros alarmantes.

"Província Sul completamente mobilizada," relatava um jovem operador de rádio. "Administração local rendeu-se a um comitê cidadão provisório. Forças de segurança depuseram armas ou desertaram."

"Província Leste ainda contestada," informava outro. "Confrontos em andamento na capital provincial. Comandante militar local aparentemente dividido sobre como proceder."

Maria absorvia as informações rapidamente, atualizando um mapa improvisado que mostrava o status de controle em diferentes regiões. O padrão era claro: o regime estava perdendo controle em uma velocidade surpreendente, mas ainda mantinha poder em áreas-chave – particularmente ao redor de Nova Recife e da instalação do Projeto Escorpião.

"E os americanos?" perguntou ela.

Um operador de comunicações mais velho – ex-oficial naval que havia desertado meses antes – consultou notas recentes. "Última atualização de nosso contato na embaixada indica que a força-tarefa está a menos de três horas de nossas águas territoriais. Planos operacionais aparentemente focados em neutralizar a instalação do Projeto Escorpião com mínimas baixas civis, mas..."

"Mas sabemos como essas coisas frequentemente terminam," completou Maria sombriamente. "Precisamos resolver isso internamente antes que bombas comecem a cair."

Nesse momento, Beatriz Coragem entrou apressadamente no apartamento, ofegante após aparentemente correr uma longa distância.

"Maria," chamou ela urgentemente, "notícias críticas. Nosso contato dentro do palácio acabou de reportar – Plâncton foi deposto! Abutre e Sanguessuga aparentemente lideraram algum tipo de golpe interno."

Um silêncio atônito caiu sobre a sala enquanto todos processavam esta informação inesperada.

"Confirmado?" perguntou Maria finalmente.

"Tanto quanto possível nas circunstâncias. O contato viu pessoalmente Plâncton sendo 'escoltado' para um veículo por guardas leais a Abutre. Não parecia estar indo voluntariamente."

Maria considerou as implicações rapidamente. "Isso muda tudo... e nada. Abutre e Sanguessuga são tão culpados quanto Plâncton pelos crimes do regime. Provavelmente estão tentando salvar suas próprias peles agora que percebem que o barco está afundando."

"Mas se estiverem dispostos a negociar..." sugeriu um dos operadores.

"Negociaremos se necessário," concordou Maria, "mas de uma posição de força, não de fraqueza. A mobilização popular continua. Se Abutre quer diálogo, que venha até nós, não o contrário."

Enquanto discutiam próximos passos, outro operador de comunicações chamou atenção urgentemente. "Interceptamos comunicações militares. Algo está acontecendo na instalação do Projeto Escorpião. Movimentação incomum de pessoal. Referências a 'procedimentos de emergência' e 'protocolo de destruição'."

Maria trocou olhares alarmados com Beatriz. "Eles estão tentando destruir evidências. Ou pior – implementar o projeto antes que percam controle completo."

"Precisamos alertar os americanos," disse Beatriz. "Se realmente estão tentando ativar a arma biológica..."

"Não apenas os americanos," decidiu Maria. "Precisamos mobilizar todas as células próximas à instalação. Se pudermos tomar controle antes que qualquer lançamento ocorra, poderíamos evitar tanto um desastre biológico quanto um ataque militar estrangeiro."

Rapidamente, ordens foram transmitidas através da rede clandestina. Células de resistência que haviam se preparado para este cenário específico começaram a convergir discretamente para a área ao redor da instalação secreta na Província Sul.

Enquanto isso, no Ponto Ômega, o Coronel Tenaz chegava para seu encontro com Abutre. A casa segura – uma residência aparentemente comum em um bairro de classe média – estava guardada discretamente por homens que o Coronel reconheceu como parte da equipe de segurança pessoal de Abutre.

Após procedimentos de segurança rigorosos, foi conduzido a uma sala nos fundos da casa. Lá encontrou não apenas Abutre, mas também a Dra. Sanguessuga e, para sua surpresa, o Embaixador americano – um homem que teoricamente deveria estar confinado à embaixada sob o Protocolo Contenção.

"Coronel," cumprimentou Abutre formalmente, "obrigado por vir."

Tenaz manteve uma mão próxima à sua arma, seus olhos avaliando rapidamente a situação. "Onde está o Presidente Plâncton?"

"Detido em local seguro," respondeu Abutre calmamente. "Sua condição mental deteriorou-se ao ponto de representar perigo claro e presente para a segurança nacional. Como previsto no Protocolo Crepúsculo, o triunvirato assumiu controle temporário."

"E o Embaixador?" perguntou o Coronel, indicando o diplomata americano com um movimento de cabeça.

"Estamos negociando termos," explicou Sanguessuga. "Os americanos concordaram em suspender operações militares pendentes, desde que possamos garantir a neutralização completa e verificável do Projeto Escorpião."

O Coronel estudou os três rostos à sua frente, sua mente militar calculando probabilidades e riscos. "Isso é traição," disse finalmente.

"É sobrevivência," corrigiu Abutre. "O regime está colapsando, Coronel. A resistência controla metade do país. Tropas estão desertando. E uma força-tarefa americana está pronta para bombardear nossas instalações críticas. A única questão restante é se terminamos isto com alguma dignidade e ordem, ou em caos completo."

"Precisamos de você, Coronel," acrescentou Sanguessuga. "Suas tropas ainda são leais. Com sua cooperação, podemos garantir uma transição ordenada. Sem sua cooperação... bem, os resultados seriam significativamente mais sangrentos para todos os envolvidos."

O Embaixador, que havia permanecido silencioso até então, finalmente falou: "Devo acrescentar, Coronel, que meu governo está preparado para oferecer certas... garantias... para oficiais superiores que cooperarem com a transição. Imunidade condicional, possibilidade de exílio seguro, preservação de alguns ativos pessoais."

O Coronel quase riu da ironia. Após anos construindo um regime baseado em lealdade absoluta a Plâncton, aqui estavam eles, negociando sua rendição com o inimigo declarado.

"E se eu recusar?" perguntou, mais por curiosidade que por real consideração.

"Então sairá desta sala sob custódia," respondeu Abutre simplesmente. "E enfrentaremos as consequências de uma transição significativamente mais caótica."

O Coronel notou discretamente que os guardas haviam se posicionado estrategicamente. Mesmo com suas habilidades militares, não poderia sobrepujá-los todos.

Mais importante, porém, era a realidade estratégica. Sua mente analítica já havia calculado as probabilidades. O regime estava, de fato, colapsando. Continuar lutando seria não apenas fútil, mas potencialmente catastrófico para o país que, apesar de tudo, ainda considerava seu.

"Quais são seus termos específicos?" perguntou finalmente.

Abutre trocou olhares brevemente com Sanguessuga antes de responder: "Primeiro, ordens imediatas para todas as forças de segurança cessarem operações ofensivas contra civis. Segundo, cooperação total na neutralização segura do Projeto Escorpião, incluindo acesso para inspetores internacionais. Terceiro, transferência ordenada de poder para um governo interino composto por figuras respeitadas de diferentes setores da sociedade."

"E Plâncton?"

"Será entregue a um tribunal internacional para julgamento por crimes contra a humanidade," respondeu o Embaixador. "Assim como qualquer pessoa diretamente envolvida em abusos graves de direitos humanos."

O Coronel notou a linguagem cuidadosamente ambígua – "diretamente envolvida" deixava espaço para que figuras como Abutre, Sanguessuga e possivelmente ele próprio escapassem das consequências mais severas.

Após um longo momento de consideração, o Coronel assentiu lentamente. "Minhas condições: garantias por escrito de imunidade para oficiais de patente média e baixa que seguiram ordens. Proteção para suas famílias. E..." ele hesitou brevemente, "permissão para visitar Plâncton antes de sua transferência."

Abutre estudou-o cuidadosamente, claramente tentando discernir se o pedido escondia alguma intenção de ajudar Plâncton a escapar. Aparentemente satisfeito com o que viu, assentiu. "Aceitável."

Assim, com um simples acordo em uma casa suburbana discreta, o destino de Pernambuco de Pé foi decidido. O regime que havia aterrorizado o país por meses começava oficialmente seu colapso final.

Enquanto o Coronel redigia ordens para suas tropas, na instalação do Projeto Escorpião uma situação muito mais volátil se desenvolvia. Cientistas e técnicos, muitos trabalhando sob coerção por meses, receberam ordens contraditórias de diferentes autoridades – alguns comandando a ativação do sistema, outros sua desativação, outros ainda sua destruição completa.

No meio desta confusão, células de resistência coordenadas por Maria Esperança aproximavam-se discretamente do perímetro externo. Simultaneamente, forças especiais americanas – infiltradas secretamente antes da chegada da força-tarefa principal – também convergiam para a instalação com ordens de neutralizar a ameaça biológica a qualquer custo.

O estágio estava montado para um confronto potencialmente catastrófico – resistência local, forças americanas e guardas leais ao regime, todos convergindo para o mesmo ponto crítico, cada grupo com suas próprias ordens e objetivos.

Seria este o momento em que a situação finalmente explodiria em violência total? Ou haveria ainda uma chance para resolução pacífica da crise mais perigosa na história de Pernambuco de Pé?

A resposta viria nas próximas horas cruciais, enquanto a resistência organizada enfrentava seu teste final e mais perigoso.