A MÁSCARA DO PODER

A Ascensão e Queda de Plâncton

Uma história de suspense, drama e sátira política por Arthur W Silveira

Capítulo 4: Promessas e Traições

A noite da eleição em Pernambuco de Pé transformou Nova Recife em um caldeirão de emoções. Nas ruas, apoiadores de diferentes candidatos reuniam-se em grupos, alguns celebrando prematuramente, outros nervosos demais para demonstrar qualquer otimismo. Telões haviam sido instalados em praças públicas, transmitindo a cobertura ao vivo das emissoras de televisão.

No luxuoso Hotel Continental, a equipe de campanha de Plâncton ocupava um andar inteiro. O salão principal havia sido transformado em um centro de comando, com dezenas de analistas monitorando resultados em tempo real, enquanto uma sala adjacente estava preparada para o discurso de vitória – ou, como Abutre insistira em chamar, "o pronunciamento pós-eleição", evitando jinx.

Plâncton, contrariando a recomendação de seus assessores para manter uma aparência de humilde expectativa, já havia aberto uma garrafa de champanhe de R$15.000 e brindava com seus principais financiadores.

"À nova era de Pernambuco de Pé," declarou, erguendo sua taça. "E aos homens visionários que tornaram isso possível."

Jerônimo Abutre observava a cena com expressão neutra, verificando constantemente seu tablet onde os números mais recentes apareciam. A corrida estava apertada – mais do que suas pesquisas internas haviam previsto. Com 60% das urnas apuradas, Plâncton liderava por apenas 2,3 pontos percentuais sobre o candidato governista.

"Não deveria estar tão próximo," murmurou a Dra. Sanguessuga, que se aproximara discretamente.

"Aquela jornalista," respondeu ela em voz baixa. "Mesmo sem o laptop, conseguiu publicar parte dos documentos. O blog dela teve meio milhão de acessos nas últimas 24 horas."

"Como isso é possível? O Coronel garantiu que—"

"Aparentemente, ela tinha backups em nuvem. E aquele professor de ciência da computação, Miguel algo, ajudou a recuperar os arquivos."

Abutre franziu o cenho. "O Coronel sabe disso?"

"Sim. Ele está... lidando com a situação."

Do outro lado da cidade, no campus da Universidade Nacional, Beatriz Coragem e Miguel Hacker (como passara a chamá-lo carinhosamente) monitoravam o impacto de sua publicação de última hora. Após o roubo de seu laptop, Beatriz havia inicialmente entrado em pânico, mas Miguel rapidamente a lembrou dos backups automáticos que haviam configurado.

"Eles pensaram que poderiam nos silenciar tão facilmente," disse Beatriz, observando os números de acesso crescerem. "Amadores."

Miguel parecia menos confiante. "Ainda estou preocupado. Aqueles caras não eram ladrões comuns, Bia. Eles sabiam exatamente o que queriam."

"É por isso que estamos aqui e não no meu apartamento," respondeu ela. "E é por isso que Maria e Paulo estão espalhando os documentos para jornalistas internacionais. Mesmo que algo aconteça conosco, a verdade já está lá fora."

Seu telefone vibrou – era uma mensagem de um número desconhecido: "Saiam daí agora. Eles estão vindo."

Beatriz mostrou a mensagem a Miguel, que imediatamente começou a desligar os equipamentos.

"Quem enviou isso?" perguntou ele, nervoso.

"Não sei, mas não vou arriscar descobrir da pior forma."

Enquanto recolhiam seus pertences apressadamente, o som de passos pesados ecoou pelo corredor vazio do prédio de Comunicação, normalmente deserto àquela hora da noite.

De volta ao Hotel Continental, a atmosfera havia mudado drasticamente. Com 75% das urnas apuradas, a vantagem de Plâncton havia diminuído para apenas 1,1 ponto percentual – dentro da margem de erro estatística.

"O que está acontecendo?" exigiu Plâncton, seu rosto normalmente bronzeado agora pálido de raiva. "Vocês me garantiram uma vitória confortável!"

Abutre manteve a calma. "As urnas restantes são principalmente de áreas urbanas e universitárias. Já esperávamos resultados mais apertados nesses locais."

"Apertados? Estamos PERDENDO em alguns distritos onde deveríamos ter 60%!"

A Dra. Sanguessuga interveio: "Os documentos vazados estão tendo impacto. Mas ainda temos nosso plano B."

Plâncton olhou para ela, confuso. "Que plano B?"

Abutre e Sanguessuga trocaram olhares significativos.

"É melhor discutirmos isso em privado," sugeriu Abutre, conduzindo Plâncton para uma sala menor, longe dos ouvidos dos convidados e da equipe júnior.

Uma vez isolados, com apenas o Coronel Tenaz presente, Abutre explicou: "Temos contingências para um cenário de resultado incerto. Primeiro, questionaremos a legitimidade da contagem em distritos específicos, alegando irregularidades."

"Que irregularidades?" perguntou Plâncton.

O Coronel sorriu friamente. "Aquelas que criaremos nas próximas horas. Tenho equipes posicionadas em pontos estratégicos, prontas para 'documentar' problemas."

"Simultaneamente," continuou a Dra. Sanguessuga, "iniciaremos uma campanha massiva nas redes sociais alegando fraude generalizada. Nossos bots já estão programados. Ao amanhecer, metade do país acreditará que a eleição foi roubada, independentemente do resultado oficial."

Plâncton parecia hesitante. "Isso não é... ilegal?"

Abutre deu de ombros. "Tecnicamente, sim. Mas leis são interpretadas por pessoas. E temos as pessoas certas em posições-chave."

"O juiz eleitoral chefe," lembrou o Coronel, "tem um filho cujos problemas com drogas conseguimos manter fora dos jornais. Ele nos deve um favor."

Plâncton ponderou por um momento, então assentiu lentamente. "Façam o que for necessário. Não cheguei até aqui para perder na última hora."

Enquanto a noite avançava, a vantagem de Plâncton continuou a diminuir. Com 90% das urnas apuradas, a diferença era de apenas 0,3 ponto percentual – praticamente um empate técnico.

Foi quando o plano B entrou em ação.

Primeiro, relatos de "irregularidades" começaram a surgir em distritos específicos onde o candidato governista havia obtido bons resultados. Vídeos cuidadosamente editados mostrando supostas violações de procedimentos eleitorais inundaram as redes sociais.

Simultaneamente, uma falha técnica misteriosa interrompeu a transmissão de dados do sistema eleitoral por quase uma hora – tempo suficiente para que teorias conspiratórias sobre manipulação de resultados se espalhassem como fogo em palha seca.

Quando a contagem foi retomada, algo estranho aconteceu: a tendência de queda na vantagem de Plâncton subitamente se inverteu. Os últimos 10% das urnas, contra todas as projeções estatísticas, começaram a mostrar resultados fortemente favoráveis a ele.

Na sede de campanha do candidato governista, analistas olhavam para os números com desconfiança.

"Isso não faz sentido," murmurou um estatístico, comparando os resultados com pesquisas de boca de urna. "Esses distritos nunca votariam assim."

Mas antes que pudessem investigar mais profundamente, o Tribunal Eleitoral anunciou que, devido a "problemas técnicos generalizados", a contagem final seria adiada até a manhã seguinte.

No Hotel Continental, Plâncton foi instruído a fazer um breve pronunciamento, cuidadosamente elaborado por Abutre:

"Meus amigos, estamos testemunhando uma tentativa descarada de subverter a vontade popular. Nossos observadores relatam irregularidades graves em diversos locais de votação. Não permitiremos que roubem esta eleição. Peço a todos que mantenham a calma, mas que estejam vigilantes. A democracia de Pernambuco de Pé está em jogo."

As palavras, deliberadamente ambíguas, foram projetadas para plantar a semente da dúvida, preparando o terreno para contestar o resultado caso fosse desfavorável, ou para clamar legitimidade caso fosse favorável.

Enquanto isso, em um laboratório de informática da Universidade Nacional, Miguel trabalhava furiosamente em seu computador, analisando os dados eleitorais que havia conseguido extrair antes da "falha técnica".

"Encontrei algo," disse ele a Beatriz, que montava guarda na porta após terem escapado por pouco dos homens do Coronel. "Olhe esses padrões estatísticos. É matematicamente impossível que esses resultados sejam legítimos."

Beatriz examinou os gráficos na tela. "Tem certeza? Isso é uma acusação séria."

"Absoluta. Esses distritos específicos mostram padrões de votação que violam a Lei de Benford – um indicador clássico de manipulação de dados. Alguém está alterando os números."

"Precisamos divulgar isso imediatamente."

Miguel hesitou. "Não é tão simples. Precisamos de mais evidências concretas, algo que não possa ser explicado como erro estatístico ou coincidência."

"E como conseguimos isso?"

Um sorriso lento espalhou-se pelo rosto do jovem hacker. "Bem, acontece que o sistema eleitoral tem algumas... vulnerabilidades que descobri há alguns meses. Reportei oficialmente, mas nunca foram corrigidas."

"Miguel, o que você está sugerindo é—"

"Ilegal? Sim. Necessário? Também."

Beatriz mordeu o lábio, considerando as implicações. "Se formos pegos..."

"Se não fizermos nada, Plâncton será presidente. Você viu os documentos. Você sabe do que ele é capaz quando só tem poder empresarial. Imagine com poder político absoluto."

Após um momento de reflexão, Beatriz assentiu. "Faça o que precisa ser feito. Mas seja cuidadoso."

Enquanto Miguel iniciava sua operação digital, nas ruas de Nova Recife a tensão crescia. Grupos de apoiadores de Plâncton, muitos deles pagos e instruídos pelo Coronel Tenaz, começavam a se reunir em frente ao Tribunal Eleitoral, exigindo "transparência" e "respeito ao voto popular".

Na manhã seguinte, o país acordou para um anúncio surpreendente: com 100% das urnas apuradas, Eugênio Plâncton Marajó havia sido eleito presidente de Pernambuco de Pé com uma vantagem de 1,7 ponto percentual.

A notícia foi recebida com celebração por seus apoiadores e desconfiança por seus opositores. Analistas políticos expressavam perplexidade com a reviravolta nos números durante a madrugada.

No Hotel Continental, Plâncton recebia os cumprimentos de sua equipe e financiadores, seu sorriso triunfante mascarando o conhecimento do que realmente havia acontecido nas horas obscuras da noite.

"Conseguimos," murmurou para Abutre, enquanto posavam para fotografias. "Realmente conseguimos."

"Nunca duvidei," respondeu o estrategista, seu rosto impassível como sempre. "Mas o trabalho real apenas começa."

Três dias depois, na cerimônia oficial de proclamação dos resultados, Plâncton fez seu primeiro discurso como presidente-eleito. Diante de câmeras nacionais e internacionais, prometeu "unir o país", "respeitar todas as vozes" e "trabalhar incansavelmente pelo bem-estar de todos os cidadãos".

Palavras que soavam nobres, mas que já estavam envenenadas pela hipocrisia.

Nos bastidores, longe dos olhos do público, uma reunião muito diferente ocorria. Em uma sala isolada do Palácio Presidencial, Plâncton encontrava-se com seu futuro gabinete – não os nomes que seriam anunciados oficialmente, mas o verdadeiro centro de poder que governaria nas sombras.

"Senhoras e senhores," começou ele, servindo-se generosamente de uísque, "chegou a hora de colhermos os frutos de nosso trabalho. Cada um de vocês será recompensado pela lealdade demonstrada durante esta... desafiadora campanha."

A Dra. Sanguessuga seria nomeada Ministra da Economia – posição a partir da qual poderia implementar políticas que beneficiariam diretamente os conglomerados empresariais que haviam financiado a campanha, incluindo as próprias empresas de Plâncton.

O Coronel Tenaz assumiria o controle das forças de segurança, com autoridade para "reestruturar" polícia e serviços de inteligência – eufemismo para remover elementos leais à Constituição e substituí-los por pessoas comprometidas pessoalmente com o novo regime.

Jerônimo Abutre, embora não recebesse cargo oficial, seria o verdadeiro arquiteto das políticas governamentais, operando nas sombras como sempre preferira.

"E quanto às promessas de campanha?" perguntou um dos presentes, um senador que havia mudado de lado no último momento, garantindo apoio legislativo crucial.

Plâncton riu, um som frio e calculista que revelava sua verdadeira natureza. "Promessas são ferramentas para ganhar eleições, não para governar. O povo esquecerá rapidamente o que prometemos quando enfrentarmos a 'crise herdada' que a Doutora Sanguessuga está preparando para anunciar."

A economista assentiu. "Já temos os relatórios prontos. A situação fiscal é 'muito pior do que o governo anterior admitia'. Serão necessárias 'medidas de austeridade temporárias' – que, naturalmente, afetarão principalmente programas sociais e serviços públicos, não os incentivos fiscais para nossos... parceiros estratégicos."

"E se houver resistência?" questionou outro presente.

O Coronel Tenaz sorriu friamente. "Deixem isso comigo. Tenho métodos eficazes para lidar com... perturbadores da ordem pública."

Enquanto a reunião continuava, com planos cada vez mais cínicos sendo discutidos abertamente, em um pequeno apartamento no bairro Universitário, um grupo muito diferente também se reunia.

Maria Esperança, Paulo Verdade, Beatriz Coragem, Miguel e outros ativistas e intelectuais discutiam os resultados eleitorais e o que poderiam esperar do governo Plâncton.

"Consegui acesso a registros internos do sistema eleitoral," explicava Miguel, mostrando dados em seu laptop. "Há evidências claras de manipulação em pelo menos três distritos-chave. Suficiente para alterar o resultado final."

"Podemos provar isso legalmente?" perguntou Paulo.

Miguel balançou a cabeça. "Infelizmente não. Consegui esses dados através de... métodos não convencionais. Não seriam admissíveis em tribunal."

"Então ele realmente roubou a eleição," concluiu Beatriz, sua voz misturando raiva e desespero.

"E isso é apenas o começo," acrescentou Maria sombriamente. "Conheço homens como Plâncton. O poder só os torna mais perigosos, não mais moderados."

"O que podemos fazer?" perguntou uma jovem estudante, expressando a pergunta que todos se faziam.

Maria olhou para cada rosto na sala antes de responder: "Resistir. Documentar. Expor. E, acima de tudo, manter viva a verdade. Regimes como o que Plâncton pretende estabelecer dependem de mentiras e medo. Nossa arma mais poderosa será a verdade."

Nas semanas seguintes, enquanto Plâncton preparava-se para sua posse, dois Pernambuco de Pé distintos emergiram – o oficial, onde tudo parecia normal, com preparativos festivos para a cerimônia de inauguração; e o subterrâneo, onde tanto apoiadores quanto opositores do novo regime se preparavam para um período de profundas transformações.

No Palácio Presidencial, ainda ocupado pelo presidente em fim de mandato, Plâncton fazia sua primeira visita oficial como presidente-eleito. Acompanhado por Abutre e uma pequena comitiva, foi recebido com a formalidade protocolar pelo Presidente Honório Campos.

"Bem-vindo, Presidente-eleito," cumprimentou Campos, estendendo a mão com evidente relutância. "Conforme a tradição, estou à disposição para garantir uma transição suave."

Plâncton apertou a mão oferecida, sorrindo com falsa cordialidade. "Agradeço, Presidente. O povo expressou sua vontade de mudança, e estou aqui para honrar essa escolha."

A tensão no ar era palpável enquanto os dois homens posavam para fotografias oficiais – um ritual democrático que mascarava a realidade de uma transferência de poder manchada por suspeitas de fraude.

Após o encontro público, Campos solicitou uma conversa privada com Plâncton. Apenas os dois homens, sem assessores ou registros.

"O que deseja discutir que não pode ser dito diante de testemunhas?" perguntou Plâncton, quando finalmente estavam sozinhos no escritório presidencial.

Campos olhou-o diretamente nos olhos. "Sei o que você fez. Sei como manipulou os resultados."

Plâncton manteve sua expressão neutra. "Acusações sérias, Presidente. Especialmente sem evidências."

"Tenho evidências. Não suficientes para um processo legal, talvez, mas suficientes para a história. E a história, Sr. Plâncton, tem um modo de revelar verdades eventualmente."

"É uma ameaça?" perguntou Plâncton, seu tom endurecendo.

"Um aviso. Você pode ter ganho o cargo, mas a legitimidade precisa ser conquistada. Governar é diferente de fazer campanha. As promessas que fez ao povo—"

"Poupe-me a lição de moral," interrompeu Plâncton. "Seu governo foi um fracasso por qualquer métrica. É por isso que estou aqui agora."

Campos suspirou, parecendo subitamente mais velho e cansado. "Você não entende, não é? Isto não é um jogo. Suas decisões afetarão milhões de vidas reais."

"Entendo perfeitamente," respondeu Plâncton friamente. "E pretendo usar esse poder para remodelar este território à minha imagem. O povo quer um líder forte, não um burocrata hesitante."

"O povo quer alguém que se importe com seu bem-estar, não com seu próprio ego."

Plâncton riu, abandonando finalmente a pretensão de respeito. "O povo quer o que dizemos que quer. Eles acreditam no que dizemos para acreditar. É assim que sempre foi."

Campos observou-o com uma mistura de desgosto e pena. "Você realmente acredita nisso, não é? Bem, tenho notícias para você, Sr. Plâncton. O povo de Pernambuco de Pé é mais resiliente e mais inteligente do que você imagina. Eles verão através da sua máscara eventualmente."

"Quando isso acontecer – se acontecer – já será tarde demais."

Com essas palavras ameaçadoras pairando no ar, Plâncton encerrou a conversa e deixou o escritório, sua mente já ocupada não com as advertências do presidente em fim de mandato, mas com os planos para seu próprio reinado.

Na véspera da posse, enquanto a capital se preparava para as celebrações oficiais, Plâncton reuniu-se com seus verdadeiros conselheiros para finalizar os primeiros decretos presidenciais – ações que seriam implementadas nas primeiras horas de seu governo.

"Estes são os documentos que você assinará imediatamente após a cerimônia," explicou Abutre, apresentando uma pasta com papéis cuidadosamente preparados.

Plâncton folheou-os rapidamente. "Cortes em programas sociais? Pensei que começaríamos com medidas populares para consolidar apoio."

"Estratégia invertida," explicou a Dra. Sanguessuga. "Implementamos as medidas mais duras no início, quando você ainda tem o capital político da vitória recente. Depois, gradualmente, introduzimos pequenas concessões que parecerão generosas em comparação."

"Psicologia básica," acrescentou Abutre. "Se você começa sendo cruel e depois se torna menos cruel, as pessoas sentem gratidão. Se começa sendo gentil e depois se torna cruel, sentem traição."

Plâncton assentiu, impressionado com a lógica perversa. "E a reestruturação do Judiciário?"

"Preparada para a segunda semana," respondeu o Coronel Tenaz. "Primeiro precisamos garantir controle sobre as forças de segurança. Depois, podemos pressionar juízes a 'se aposentarem voluntariamente'."

"E a imprensa?"

"Já temos estratégias para cada veículo," explicou Abutre. "Os amigáveis receberão publicidade governamental generosa. Os hostis enfrentarão auditorias fiscais, processos por 'fake news', e pressão sobre anunciantes."

Plâncton sorriu, satisfeito. "Vocês pensaram em tudo."

"É nosso trabalho," respondeu Abutre simplesmente.

Na manhã da posse, Pernambuco de Pé acordou dividido. Para apoiadores de Plâncton, era um dia de celebração, o início de uma nova era. Para seus opositores, era o começo de um pesadelo político.

A cerimônia oficial seguiu o protocolo tradicional. Plâncton, vestindo o terno azul-turquesa que se tornara sua marca registrada, fez o juramento constitucional diante do Congresso Nacional:

"Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo de Pernambuco de Pé e sustentar a união, a integridade e a independência deste território brasileiro na Europa."

Palavras solenes que, em seus lábios, já eram a primeira traição oficial de seu mandato.

Em seu discurso inaugural, Plâncton falou de "renovação", "prosperidade" e "grandeza restaurada". Prometeu ser "presidente de todos os cidadãos" e governar com "transparência e integridade".

A multidão aplaudia, muitos genuinamente esperançosos, outros estrategicamente posicionados para criar a imagem de apoio unânime para as câmeras.

Nos bastidores, longe dos olhos do público, a verdadeira agenda já estava em movimento. Enquanto Plâncton acenava para a multidão do balcão presidencial, equipes leais ao Coronel Tenaz iniciavam operações discretas em departamentos-chave do governo.

Arquivos sensíveis eram removidos. Sistemas de computador eram acessados. Funcionários considerados "problemáticos" recebiam notificações de transferência ou licença compulsória.

A maquinaria do estado estava sendo silenciosamente reconfigurada para servir não ao povo, mas ao novo regime.

Naquela noite, enquanto fogos de artifício iluminavam o céu de Nova Recife e celebrações oficiais aconteciam no Palácio Presidencial, Maria Esperança reunia-se novamente com seu grupo de resistência, agora expandido e mais organizado.

"Começa hoje," disse ela gravemente. "A partir de amanhã, cada direito que consideramos garantido estará em risco. Cada instituição democrática enfrentará ataques. Cada voz dissidente será alvo."

"Como podemos lutar contra isso?" perguntou um jovem professor de direito, recém-integrado ao grupo.

"Documentando tudo. Criando redes de proteção. Mantendo canais de comunicação independentes. E, mais importante, ajudando as pessoas a entenderem o que está realmente acontecendo além da propaganda oficial."

Beatriz, que havia passado os últimos dias escondida após receber ameaças explícitas, falou com determinação renovada: "Eles podem controlar as grandes mídias, mas não podem silenciar todas as vozes. Continuarei publicando a verdade, não importa o custo pessoal."

Miguel, agora oficialmente namorado de Beatriz após as semanas intensas que haviam compartilhado, acrescentou: "E eu garantirei que nossos sistemas de comunicação permaneçam seguros e acessíveis, mesmo quando começarem a censurar a internet."

Paulo Verdade, que havia recentemente recebido uma "sugestão" para tirar licença de seu cargo no Hospital Central, compartilhou notícias preocupantes: "Já estão preparando cortes massivos no orçamento da saúde. Medicamentos essenciais serão os primeiros afetados."

Enquanto o grupo discutia estratégias de resistência, no Palácio Presidencial Plâncton celebrava sua vitória com um banquete suntuoso para a elite que o apoiara. Champanhe fluía livremente, pratos exóticos eram servidos por garçons em luvas brancas, e uma orquestra tocava músicas clássicas em um canto do salão dourado.

Em determinado momento, Plâncton ergueu-se para um brinde, sua taça de cristal refletindo a luz dos candelabros:

"Aos novos tempos! Ao futuro glorioso que construiremos juntos!"

Os convidados aplaudiram entusiasticamente, muitos já antecipando os benefícios que receberiam do novo regime – contratos governamentais, isenções fiscais, influência política.

Ninguém notou – ou se importou – que os garçons que os serviam, os seguranças que os protegiam, e os músicos que os entretinham não foram convidados a participar do brinde.

Uma metáfora perfeita para o governo que se iniciava: abundância para poucos, exclusão para muitos.

Mais tarde naquela noite, quando a festa finalmente terminou e os convidados se retiraram, Plâncton permaneceu sozinho no escritório presidencial – o mesmo onde, dias antes, havia recebido o aviso ignorado do presidente anterior.

Sentou-se na cadeira que agora era oficialmente sua, girando lentamente para contemplar o retrato oficial de seu predecessor na parede.

"Mande removê-lo amanhã," ordenou a Sebastião, o mordomo que o seguira da mansão para o palácio. "E prepare o meu retrato para substituí-lo. Aquele com o fundo azul-turquesa."

"Sim, senhor Presidente," respondeu o mordomo, sua expressão profissional mascarando qualquer opinião pessoal sobre a ordem.

Quando finalmente ficou completamente sozinho, Plâncton abriu uma gaveta da escrivaninha presidencial e retirou um pequeno objeto – uma miniatura da cadeira presidencial, feita em ouro maciço, que mandara confeccionar secretamente meses antes, confiante em sua vitória.

Acariciou o objeto com reverência quase sensual, seus olhos brilhando com satisfação.

"Finalmente," murmurou para si mesmo. "Finalmente."

Do lado de fora do palácio, a noite estava silenciosa. Os fogos haviam cessado. As celebrações oficiais terminado. A maioria dos cidadãos dormia, inconsciente das transformações que já estavam em curso.

Uma nova era havia começado para Pernambuco de Pé. Uma era de promessas e traições.

E o pior ainda estava por vir.