A MÁSCARA DO PODER

A Ascensão e Queda de Plâncton

Uma história de suspense, drama e sátira política por Arthur W Silveira

Interlúdio 2: O Gabinete das Sombras

MEMORANDO INTERNO - CLASSIFICAÇÃO: ULTRA-SECRETA

Data: 15 de janeiro de 2025 (Duas semanas após a posse)

De: Gabinete Estratégico da Presidência

Para: Membros do Conselho Interno (Apenas)

Assunto: Diretrizes para Implementação do Projeto Renovação

Observação: Documento recuperado por Miguel "Hacker Fantasma" após a queda do regime e publicado no Arquivo Nacional da Memória Democrática de Pernambuco de Pé em 2027.

Prezados Membros do Conselho Interno,

Conforme discutido em nossa última reunião reservada, seguem as diretrizes atualizadas para implementação do Projeto Renovação em suas respectivas áreas de atuação. Este documento substitui todas as versões anteriores, que devem ser destruídas imediatamente após a leitura desta atualização.

O Presidente Plâncton aprovou pessoalmente todas as medidas aqui descritas e enfatiza a necessidade de discrição absoluta. Nenhuma destas diretrizes deve ser discutida em ambientes não seguros ou com pessoal não autorizado, independentemente de seu nível hierárquico oficial.

1. REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA (Responsável: Dra. Sanguessuga)

1.1. Prosseguir com o anúncio da "crise fiscal herdada" conforme planejado. Os números devem parecer alarmantes o suficiente para justificar medidas drásticas, mas não tão catastróficos que provoquem pânico nos mercados.

1.2. Implementar cortes orçamentários nas seguintes áreas, na ordem especificada:

  • Programas sociais (redução de 40% no primeiro ano)
  • Educação pública (redução de 35% no primeiro ano)
  • Saúde pública (redução de 30% no primeiro ano)
  • Proteção ambiental (redução de 75% imediata)

1.3. Simultaneamente, criar novos programas de "incentivo ao desenvolvimento" que beneficiem diretamente as empresas listadas no Anexo A (empresas do Grupo Plâncton e principais financiadores da campanha).

1.4. Preparar legislação para privatização acelerada das estatais listadas no Anexo B. Garantir que o processo favoreça os compradores pré-aprovados, conforme discutido verbalmente.

1.5. Para consumo público, toda comunicação deve enfatizar "sacrifícios temporários necessários" e "medidas técnicas, não políticas". Evitar admitir cortes diretos; preferir termos como "otimização", "racionalização" e "modernização".

2. CONTROLE MIDIÁTICO (Responsável: J. Abutre)

2.1. Prosseguir com a estratégia de "asfixia financeira" para veículos não alinhados. A Receita Federal deve intensificar auditorias nos grupos de mídia listados no Anexo C.

2.2. Implementar imediatamente o redirecionamento de toda publicidade governamental exclusivamente para veículos alinhados (Anexo D).

2.3. Acelerar a tramitação do projeto de lei de "Responsabilidade Digital". Garantir que a redação final inclua os artigos que permitem intervenção governamental sob pretexto de combate à "desinformação".

2.4. A Agência Nacional de Telecomunicações deve encontrar "irregularidades técnicas" nas emissoras listadas no Anexo E, justificando a não renovação de suas concessões quando expirarem.

2.5. A equipe de comunicação digital deve intensificar a operação "Enxame", aumentando em 200% o número de perfis automatizados nas redes sociais para amplificar narrativas favoráveis e atacar críticos.

3. REESTRUTURAÇÃO JUDICIAL (Responsável: Conselheiro Jurídico Especial)

3.1. Prosseguir com a estratégia de "aposentadorias incentivadas" para juízes não alinhados. Para aqueles que resistirem, implementar investigações sobre "irregularidades" em suas decisões passadas.

3.2. Acelerar a nomeação dos candidatos pré-aprovados (Anexo F) para todas as vagas abertas no Judiciário, priorizando tribunais superiores e cortes constitucionais.

3.3. Preparar decreto presidencial ampliando o número de ministros da Suprema Corte de 11 para 15, permitindo nomeações imediatas que garantirão maioria favorável.

3.4. O Ministério Público deve ser "neutralizado" conforme estratégia discutida na reunião de 10/01. Promotores problemáticos devem ser transferidos para áreas remotas ou sobrecarregados com casos irrelevantes.

4. SEGURANÇA E CONTROLE SOCIAL (Responsável: Coronel Tenaz)

4.1. Finalizar a reestruturação das forças policiais, garantindo que todos os comandos estejam nas mãos de oficiais leais ao Projeto (lista no Anexo G).

4.2. Implementar o sistema de vigilância digital "Olho Que Tudo Vê" em todas as capitais provinciais até o final do trimestre. Prioridade para monitoramento de universidades, sindicatos e redações jornalísticas.

4.3. A nova Diretoria de Segurança Nacional deve acelerar a criação de dossiês sobre todos os indivíduos listados no Anexo H (opositores prioritários). Ênfase em encontrar vulnerabilidades pessoais que possam ser exploradas para neutralização.

4.4. Grupos de "cidadãos patriotas" devem receber treinamento e equipamento não rastreável para ações de intimidação contra alvos específicos, mantendo aparência de movimentos espontâneos.

4.5. Preparar legislação de "Segurança Nacional" que criminalize "ataques à estabilidade do Estado" com definições suficientemente vagas para enquadrar qualquer oposição significativa.

5. RELAÇÕES INTERNACIONAIS (Responsável: Chanceler)

5.1. Manter aparência de normalidade democrática em todos os fóruns internacionais. Enfatizar "soberania nacional" e "particularidades culturais" quando questionados sobre medidas internas.

5.2. Priorizar relações com os países listados no Anexo I, que demonstraram disposição para ignorar questões de direitos humanos em troca de vantagens comerciais.

5.3. Para organismos internacionais de direitos humanos, implementar estratégia de "cooperação aparente": convidar para visitas controladas, fornecer dados seletivos, e prolongar indefinidamente "análises técnicas" de suas recomendações.

5.4. Intensificar campanha de descrédito contra ONGs internacionais críticas, caracterizando-as como "agentes estrangeiros" que "desrespeitam a soberania nacional".

6. CRONOGRAMA DE IMPLEMENTAÇÃO

6.1. Fase 1 (Atual - Primeiros 100 dias): Consolidação de controle sobre aparato estatal, neutralização de resistência institucional, implementação de medidas econômicas sob pretexto de "crise herdada".

6.2. Fase 2 (Meses 4-12): Reformas estruturais profundas, alterações constitucionais, consolidação de controle midiático, neutralização de oposição organizada.

6.3. Fase 3 (Ano 2): Implementação completa do Projeto Renovação, incluindo possível extensão de mandato presidencial através de reforma constitucional ou "situação de emergência nacional".

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

7.1. Todas as comunicações relacionadas ao Projeto Renovação devem utilizar o sistema criptografado "Escorpião". Nenhuma menção a estas diretrizes deve aparecer em canais oficiais ou dispositivos governamentais regulares.

7.2. Reuniões do Conselho Interno continuarão ocorrendo semanalmente no local designado como "Ninho". Datas e horários serão comunicados pelo protocolo habitual.

7.3. Em caso de vazamentos ou resistência inesperada, implementar imediatamente Protocolo Escudo (detalhes verbais apenas).

7.4. O Presidente Plâncton reitera: não há limites para os métodos a serem empregados na implementação do Projeto. O objetivo final justifica quaisquer meios necessários.

Por um Pernambuco de Pé renovado e forte,

J. Abutre
Coordenador do Gabinete Estratégico

TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO - REUNIÃO DO "CONSELHO INTERNO"

Data: 17 de janeiro de 2025

Local: "Ninho" (Identificado posteriormente como subsolo da mansão particular de Plâncton)

Presentes: Presidente Plâncton (PP), Jerônimo Abutre (JA), Dra. Sanguessuga (DS), Coronel Tenaz (CT), Conselheiro Jurídico Especial (CJ), Chanceler (CH)

Observação: Gravação obtida por fonte anônima dentro do regime e entregue à Resistência em março de 2026. Autenticidade confirmada por análise de voz.

PP: [Som de taça sendo preenchida] Então, como estamos progredindo com nosso pequeno projeto de remodelação nacional?

JA: O memorando atualizado foi distribuído. Todos os departamentos estão alinhados e operando conforme planejado.

PP: Excelente. Doutora, comece com as boas notícias econômicas.

DS: [Folheando papéis] Os cortes orçamentários estão sendo implementados conforme programado. Conseguimos redirecionar aproximadamente 30 bilhões para os "programas de desenvolvimento" que beneficiam nossas empresas parceiras. O mercado reagiu positivamente – as ações do Grupo Plâncton subiram 22% esta semana.

PP: [Rindo] Quem diria que governar seria tão lucrativo? E quanto às reclamações sobre os cortes em saúde e educação?

JA: Controladas. A mídia alinhada está enfatizando a narrativa da "herança maldita" e da "necessidade de sacrifícios temporários". As vozes críticas estão sendo sistematicamente abafadas.

PP: Aquela jornalista irritante... como é mesmo o nome dela?

CT: Beatriz Coragem.

PP: Essa mesma. Ela continua sendo um problema?

CT: Não por muito tempo. [Som de risadas] Ela recebeu uma "visita educativa" ontem à noite. Nada excessivamente violento, apenas o suficiente para transmitir a mensagem. Além disso, seu blog foi derrubado por um "ataque hacker não identificado".

PP: Bom, bom. E aquela professora universitária? A especialista em sistemas políticos?

JA: Maria Esperança. Estamos construindo um caso contra ela. Supostas irregularidades em projetos de pesquisa. Quando estiver pronto, será demitida com desmoralização pública.

PP: [Satisfeito] Adoro como vocês trabalham. Tão... eficientes.

CJ: Sobre o Judiciário, senhor Presidente. A operação "Toga Limpa" está rendendo frutos. Três juízes da Suprema Corte já sinalizaram disposição para aposentadoria antecipada após nossas... conversas persuasivas.

PP: E os que resistem?

CJ: [Tom malicioso] É surpreendente o que se pode encontrar quando se investiga a fundo a vida de alguém. O Juiz Íntegro, por exemplo, tem um filho com problemas de dependência química que conseguimos manter fora dos jornais... até agora.

PP: [Rindo] Chantagem, a mais antiga das artes políticas.

CH: Quanto à frente internacional, estamos mantendo as aparências. Os americanos estão fazendo algumas perguntas incômodas sobre liberdade de imprensa, mas nada que um acordo comercial favorável não resolva.

PP: E os europeus?

CH: Preocupados, mas indecisos. Continuam precisando de nossos recursos naturais. Enquanto mantivermos uma fachada democrática mínima, não passarão de notas de preocupação.

PP: [Servindo-se de mais bebida] Perfeito. Coronel, como está nosso... problema no norte?

CT: A Província Norte continua resistente, senhor. O governador se recusa a implementar algumas de nossas diretrizes, citando "autonomia provincial".

PP: [Tom endurecendo] Inaceitável. Quais são nossas opções?

CT: Temos três caminhos: pressão financeira cortando repasses federais; intervenção legal através do Supremo Tribunal, que logo estará sob nosso controle; ou... [pausa significativa] uma solução mais direta.

PP: Elabore a terceira opção.

CT: [Voz baixa] Temos evidências fabricadas ligando o governador a um esquema de corrupção. Suficiente para um mandado de prisão. Se ele resistir à prisão... [pausa] acidentes acontecem.

JA: [Cauteloso] Precisamos considerar as repercussões. Uma ação tão drástica poderia gerar resistência popular significativa.

DS: Concordo. É cedo demais para medidas extremas. Ainda não consolidamos controle suficiente sobre as instituições para absorver o impacto.

PP: [Irritado] Vocês estão ficando moles? Pensei que estivéssemos todos comprometidos com o Projeto.

JA: Não é questão de compromisso, senhor Presidente. É estratégia. Cada passo deve ser calculado para minimizar resistência enquanto avançamos. Lembre-se da metáfora do sapo na água que esquenta gradualmente.

PP: [Após pausa] Muito bem. Começaremos com a pressão financeira. Se não funcionar em 30 dias, implementamos a solução legal. E se ainda assim houver resistência... [tom ameaçador] o Coronel terá luz verde.

CT: [Satisfeito] Como desejar, senhor Presidente.

PP: Agora, sobre o Projeto Escorpião. Como estamos progredindo?

DS: [Hesitante] Senhor, preciso expressar reservas sobre o Projeto Escorpião. Os custos são astronômicos e o impacto econômico poderia—

PP: [Interrompendo bruscamente] Não me interessa o custo! Este projeto é pessoalmente importante para mim. Encontre o dinheiro, Doutora. Corte mais programas sociais se necessário.

DS: [Resignada] Sim, senhor Presidente.

JA: Os preparativos técnicos estão avançando conforme planejado. A equipe especial está trabalhando em instalações isoladas, sem contato com o exterior. Estimamos conclusão da fase inicial em seis meses.

PP: Não é rápido o suficiente. Quero resultados em quatro meses.

JA: Senhor, os cientistas dizem que—

PP: [Batendo na mesa] Quatro meses! Diga aos cientistas que suas famílias contam com sua eficiência.

[Silêncio tenso]

CT: Será feito, senhor Presidente.

PP: [Mais calmo] Excelente. Algum outro assunto para discutirmos?

JA: Apenas uma atualização sobre a Operação Distração. Conforme planejado, estamos alimentando a mídia com "escândalos" menores envolvendo figuras secundárias do governo. Isso mantém a atenção pública desviada das mudanças estruturais mais profundas.

PP: [Rindo] Ah, sim. O caso do subsecretário e as dançarinas. Brilhante! O público adora um bom escândalo sexual.

JA: Exatamente. Enquanto discutem a moralidade de funcionários de médio escalão, não percebem as transformações fundamentais em andamento.

PP: [Levantando-se, som de cadeira arrastando] Bem, senhoras e senhores, parece que nosso pequeno projeto de remodelação nacional está progredindo satisfatoriamente. Em breve, Pernambuco de Pé será exatamente o que sempre deveria ter sido – nosso.

[Sons de taças tilintando em um brinde]

PP: Uma última coisa. Aquele médico irritante do Hospital Central...

CT: Dr. Paulo Verdade.

PP: Esse mesmo. Ele continua denunciando os cortes na saúde?

CT: Infelizmente, sim. É bastante... persistente.

PP: [Tom frio] Encontre algo para silenciá-lo. Todo mundo tem um segredo, uma fraqueza. Se não encontrarem nada real, criem algo.

CT: Será um prazer, senhor Presidente.

PP: Ótimo. Reunião encerrada. Lembrem-se: história não é feita por homens fracos. É feita por aqueles dispostos a fazer o necessário.

[Sons de cadeiras sendo arrastadas, passos se afastando]

JA: [Voz baixa, aparentemente pensando que todos saíram] Até onde iremos com isso?

DS: [Igualmente baixo] Até onde ele nos levar. Ou até onde permitirmos que nos leve.

JA: Ele está ficando mais... extremo.

DS: O poder revela, Jerônimo. Não corrompe. Apenas revela quem a pessoa sempre foi.

JA: E se ele for longe demais?

DS: [Após pausa longa] Então teremos que tomar decisões difíceis, não é?

[Som de porta fechando]

[Fim da gravação]