A MÁSCARA DO PODER

A Ascensão e Queda de Plâncton

Uma história de suspense, drama e sátira política por Arthur W Silveira

Capítulo 5: A Vitória Manipulada

Os primeiros cem dias do governo Plâncton passaram como um furacão sobre Pernambuco de Pé. Cada manhã, os cidadãos deste território brasileiro na Europa acordavam para novas medidas, decretos e "reformas emergenciais" que transformavam rapidamente o país que conheciam.

No Palácio Presidencial, agora redecorado em tons de azul-turquesa e rebatizado informalmente como "Plâncton Palace" pelos assessores mais próximos do presidente, uma reunião ministerial estava em andamento. Não o gabinete oficial, cujas reuniões eram televisionadas e cuidadosamente coreografadas para transmitir uma imagem de normalidade democrática, mas o verdadeiro centro de poder – o autodenominado Conselho Interno.

"Os números são excelentes," relatava a Dra. Sanguessuga, apresentando gráficos em uma tela digital. "A implementação do Plano de Austeridade Nacional resultou em uma redução de 42% nos gastos com programas sociais, 38% em educação e 35% em saúde pública. Simultaneamente, os novos 'incentivos ao desenvolvimento' direcionaram aproximadamente 50 bilhões para os setores prioritários."

Plâncton, reclinado em sua cadeira presidencial especialmente projetada para parecer um trono discreto, sorriu satisfeito. "E quanto às reclamações populares?"

Jerônimo Abutre, que permanecia de pé mesmo quando todos os outros estavam sentados – um hábito que alguns interpretavam como deferência e outros como uma forma sutil de domínio psicológico – respondeu com sua habitual frieza: "Controladas. A Operação Distração tem sido extremamente eficaz. O escândalo sexual envolvendo o Ministro da Cultura dominou o ciclo de notícias por duas semanas completas."

"Um sacrifício necessário," comentou Plâncton, referindo-se ao ministro que havia sido deliberadamente exposto em uma situação comprometedora para desviar a atenção pública de medidas mais controversas. "Ele entendeu seu papel?"

"Perfeitamente. Já está aproveitando sua nova vida em uma ilha tropical, cortesia do fundo especial que criamos."

O Coronel Tenaz, agora oficialmente Diretor da recém-criada Agência de Segurança Nacional, mas na prática o comandante de todas as forças de segurança do país, consultou seu tablet antes de falar: "A reestruturação das forças policiais está 85% concluída. Todos os comandos regionais já estão nas mãos de oficiais leais. O sistema de vigilância 'Olho Que Tudo Vê' está operacional em três das cinco províncias."

"E quanto à resistência?" perguntou Plâncton, seu tom endurecendo.

"Fragmentada e ineficaz," respondeu o Coronel com satisfação evidente. "Os principais opositores estão sob vigilância constante. Alguns foram neutralizados através de processos judiciais fabricados, outros através de campanhas de difamação. Aqueles que persistem enfrentam... métodos mais diretos."

"Exemplos?"

"A professora universitária, Maria Esperança, foi demitida após 'descobrirmos' irregularidades em seus projetos de pesquisa. O médico, Dr. Paulo Verdade, está enfrentando um processo por 'negligência médica' baseado em evidências plantadas. A jornalista Beatriz Coragem sofreu um 'assalto' que a deixou hospitalizada por duas semanas."

Plâncton assentiu, satisfeito. "E aquele hacker irritante? O namorado dela?"

Uma sombra de frustração cruzou o rosto do Coronel. "Miguel Soares. Ele é... escorregadio. Desapareceu completamente do radar após o incidente com Beatriz. Suspeitamos que esteja operando na clandestinidade, possivelmente com ajuda externa."

"Encontre-o," ordenou Plâncton secamente. "Ele representa uma ameaça tecnológica que não podemos tolerar."

"Sim, senhor Presidente."

A reunião continuou com relatórios sobre a "reforma judicial" (que na prática significava a remoção sistemática de juízes independentes), a "otimização da comunicação governamental" (censura crescente da mídia) e a "reavaliação de compromissos internacionais" (afastamento de organizações de direitos humanos).

Quando todos os relatórios foram concluídos, Plâncton levantou-se, indicando que a parte formal da reunião estava encerrada. "Excelente trabalho, senhoras e senhores. Em apenas cem dias, transformamos mais este país do que governos anteriores em décadas. E isso é apenas o começo."

Enquanto os ministros e assessores se retiravam, Plâncton fez um gesto para que Abutre permanecesse. Quando finalmente estavam sozinhos, o presidente dirigiu-se a um bar discreto em um canto do escritório e serviu dois copos de uísque.

"Algo o incomoda, Jerônimo," observou, entregando um copo ao estrategista. "Você esteve quieto durante a reunião."

Abutre aceitou a bebida mas não a provou imediatamente. "Estamos avançando rápido demais."

"Rápido demais?" Plâncton riu. "Pensei que essa fosse a estratégia. Implementar mudanças tão rapidamente que a oposição não consegue se organizar para resistir."

"Existe um equilíbrio delicado," respondeu Abutre, escolhendo as palavras com cuidado. "Mudanças demais, muito rapidamente, podem despertar resistência que ainda não estamos totalmente preparados para enfrentar."

Plâncton descartou a preocupação com um gesto. "O povo é como ovelhas. Enquanto tivermos controle da mídia e das forças de segurança, podemos fazer o que quisermos."

"Nem todos são ovelhas," insistiu Abutre. "E mesmo ovelhas, quando encurraladas, podem se tornar perigosas em número suficiente."

O presidente estudou seu estrategista por um momento, então sorriu – não o sorriso carismático que mostrava para as câmeras, mas algo mais frio e calculista. "Você está ficando mole, Jerônimo? Começando a desenvolver uma consciência?"

"Estou sendo pragmático, como sempre. Nossa estratégia original previa uma abordagem mais gradual. O Projeto Renovação tinha um cronograma de três anos, não três meses."

"Planos mudam," respondeu Plâncton, terminando sua bebida. "Quando vi a facilidade com que assumimos controle, percebi que não precisávamos ser tão cautelosos."

"E o Projeto Escorpião?" perguntou Abutre, finalmente tomando um gole de seu uísque. "Também foi acelerado?"

Uma expressão quase febril iluminou o rosto de Plâncton. "Ah, sim. Meu projeto favorito. Está progredindo magnificamente. Os cientistas finalmente entenderam que sua... dedicação... é diretamente proporcional ao bem-estar de suas famílias."

"Você realmente pretende implementá-lo?"

"Claro. Por que não?"

"As implicações internacionais seriam—"

"Irrelevantes," cortou Plâncton. "Quando o Projeto Escorpião estiver operacional, não precisaremos nos preocupar com 'implicações internacionais'. Teremos poder de barganha suficiente para ditar nossos próprios termos."

Abutre não respondeu imediatamente, observando o líquido âmbar em seu copo como se pudesse encontrar respostas ali. "E se houver resistência interna? Nem todos no governo conhecem a extensão completa de seus... planos."

Plâncton sorriu novamente, aproximando-se de seu estrategista. "Incluindo você, Jerônimo? Está me dizendo que não aprova o rumo que estamos tomando?"

"Estou expressando preocupações estratégicas legítimas."

"Hmm." Plâncton estudou-o por um momento, então deu de ombros. "Suas preocupações estão registradas. Mas o curso está definido. O Projeto Escorpião continuará conforme planejado. E quanto a possíveis... resistências internas? Bem, ninguém é insubstituível. Nem mesmo você, meu caro Jerônimo."

A ameaça velada pairou no ar entre eles como fumaça venenosa.

Enquanto isso, a quilômetros dali, em um apartamento modesto no bairro operário de Nova Recife, um grupo muito diferente também se reunia. O local havia sido escolhido por sua aparente insignificância – um prédio antigo, sem câmeras de segurança, habitado principalmente por trabalhadores que saíam cedo e voltavam tarde, cansados demais para notar estranhos.

Maria Esperança, agora desempregada e oficialmente desacreditada após a campanha de difamação orquestrada pelo regime, liderava a reunião. Seu cabelo, antes apenas salpicado de grisalho, parecia ter embranquecido significativamente nos últimos meses. Mas seus olhos mantinham a mesma determinação de sempre.

"Nosso tempo está se esgotando," dizia ela para o pequeno grupo reunido. "A cada dia, Plâncton consolida mais poder. As instituições que deveriam servir como contrapeso estão sendo sistematicamente desmanteladas ou cooptadas."

Dr. Paulo Verdade, afastado de suas funções no Hospital Central enquanto enfrentava acusações fabricadas, assentiu sombriamente. "O sistema de saúde está em colapso. Os cortes orçamentários resultaram em escassez crítica de medicamentos e equipamentos. Pessoas estão morrendo por condições tratáveis."

"E a educação não está melhor," acrescentou uma professora de ensino médio, recém-integrada ao grupo. "Escolas estão fechando, especialmente em áreas pobres. O novo 'currículo nacional' é basicamente propaganda governamental disfarçada de conteúdo educacional."

Beatriz Coragem, ainda com marcas visíveis da "lição" que recebera dos homens do Coronel Tenaz, falou com voz determinada apesar da dor: "O controle da mídia é quase total. Veículos independentes estão sendo fechados sob pretextos legais absurdos. Jornalistas críticos estão sendo presos, atacados ou forçados ao exílio."

"E a população?" perguntou Maria. "Como está reagindo?"

"Dividida e confusa," respondeu um sindicalista. "A máquina de propaganda é eficiente. Muitos ainda acreditam que os problemas são temporários, resultado da 'herança maldita' do governo anterior. Outros percebem a verdade mas têm medo de se manifestar."

"Precisamos de uma estratégia mais eficaz," concluiu Maria. "Documentar abusos e compartilhar informações é importante, mas não suficiente. Precisamos de ação coordenada."

Foi quando a porta se abriu e Miguel entrou apressadamente, carregando um laptop. Todos se viraram, tensos – entradas não anunciadas eram potencialmente perigosas em tempos como aqueles.

"Desculpem o atraso," disse ele, beijando rapidamente Beatriz antes de se juntar ao grupo. "Tive que tomar rotas indiretas para garantir que não estava sendo seguido."

"Alguma novidade?" perguntou Maria.

Miguel abriu o laptop, revelando uma tela cheia de códigos e diagramas. "Consegui acesso parcial à rede interna do governo. Não é completo – seus sistemas de segurança foram significativamente aprimorados – mas suficiente para confirmar algumas de nossas suspeitas e descobrir novas informações preocupantes."

"Como o quê?" perguntou Paulo, inclinando-se para frente.

"Primeiro, o chamado 'Plano de Austeridade' é apenas a ponta do iceberg. Há planos para cortes muito mais profundos nos próximos meses, incluindo a completa privatização do sistema de saúde."

Paulo empalideceu. "Isso seria catastrófico para a população vulnerável."

"Exatamente. Segundo, a 'reforma judicial' é mais extensa do que imaginávamos. Não estão apenas substituindo juízes, mas reescrevendo completamente o código legal para expandir poderes presidenciais e criminalizar praticamente qualquer forma de oposição."

"E quanto ao sistema de vigilância que temos ouvido rumores?" perguntou Beatriz.

Miguel hesitou, olhando ao redor como se temesse que as paredes pudessem estar ouvindo. "É real. Chama-se 'Olho Que Tudo Vê'. Combina reconhecimento facial em câmeras públicas, monitoramento de comunicações digitais e um sistema de crédito social inspirado em regimes autoritários estrangeiros. Está sendo implementado em fases, começando pelas capitais provinciais."

Um silêncio pesado caiu sobre o grupo enquanto absorviam as implicações.

"Há mais," continuou Miguel, sua voz baixando ainda mais. "Encontrei referências a algo chamado 'Projeto Escorpião'. Não consegui acessar detalhes completos, mas parece ser algo grande. Extremamente secreto. Envolve uma instalação isolada na Província Sul e um grupo de cientistas trabalhando sob... coerção."

"Que tipo de projeto?" perguntou Maria.

"Não tenho certeza. As referências são deliberadamente vagas. Mas há menções a 'capacidade de dissuasão estratégica' e 'autonomia internacional completa'. Soa quase como..."

"Um programa de armas?" sugeriu Paulo, horrorizado.

"Possivelmente. Ou algo igualmente perigoso."

Maria levantou-se, caminhando lentamente pela pequena sala enquanto processava as informações. "Isso muda tudo. Não estamos apenas enfrentando um governo autoritário comum. Se Plâncton está desenvolvendo algum tipo de capacidade militar avançada..."

"Precisamos de ajuda externa," concluiu Beatriz. "Isso vai além do que podemos enfrentar sozinhos."

"Concordo," disse Miguel. "Já estabeleci contatos com jornalistas internacionais e organizações de direitos humanos. Mas precisamos de mais. Evidências concretas do Projeto Escorpião poderiam forçar potências estrangeiras a prestar atenção."

"E como conseguimos essas evidências?" perguntou o sindicalista.

Miguel trocou olhares com Beatriz antes de responder: "Tenho um plano. Arriscado, mas possível. Precisarei de ajuda."

Enquanto o grupo de resistência discutia estratégias em seu esconderijo modesto, no outro extremo do espectro social, uma festa extravagante acontecia na mansão particular de Plâncton. Oficialmente, era uma celebração dos "cem dias de sucesso" do novo governo. Na prática, era uma demonstração de poder e uma oportunidade para consolidar alianças com a elite econômica do país.

O salão principal da mansão, decorado com um gosto que muitos considerariam ostensivo demais, estava repleto de figuras importantes – empresários, políticos leais, celebridades cuidadosamente selecionadas, e até mesmo alguns diplomatas estrangeiros de países que haviam decidido que pragmatismo econômico superava preocupações com democracia.

Plâncton circulava entre os convidados como um monarca benevolente, distribuindo sorrisos, promessas e, ocasionalmente, ameaças veladas disfarçadas de piadas. Seu terno azul-turquesa, agora praticamente um uniforme, destacava-se na multidão.

"Ah, Embaixador Chen," exclamou, aproximando-se de um diplomata asiático. "Que prazer tê-lo conosco esta noite. Como vão as negociações para aquele acordo comercial que discutimos?"

O embaixador inclinou levemente a cabeça. "Progredindo bem, Excelência. Meu governo está particularmente interessado nos novos termos para exportação de minérios estratégicos."

"Excelente, excelente. E quanto àquele outro assunto? A... assistência técnica especial?"

"Sendo considerada nos mais altos níveis. Há, naturalmente, algumas preocupações sobre reações internacionais."

Plâncton sorriu friamente. "Preocupações que podem ser mitigadas com termos comerciais suficientemente generosos, imagino."

"Precisamente, Excelência."

Satisfeito, Plâncton continuou sua ronda, eventualmente encontrando-se com um grupo de empresários locais que haviam prosperado significativamente sob seu governo.

"Meus amigos!" saudou efusivamente. "Os verdadeiros construtores do novo Pernambuco de Pé! Como vão os negócios?"

"Nunca estiveram melhores, senhor Presidente," respondeu um incorporador imobiliário corpulento. "Desde que aquelas irritantes regulamentações ambientais foram 'flexibilizadas', conseguimos iniciar três novos empreendimentos de luxo."

"E minha empresa de construção ganhou todos os contratos para os novos 'projetos de infraestrutura prioritária'," acrescentou outro, erguendo sua taça em um brinde. "Um aumento de 300% no faturamento em apenas três meses!"

Plâncton sorriu, satisfeito. Estes eram os verdadeiros beneficiários de seu governo – não o povo em cujo nome ele alegava governar, mas o pequeno círculo de aliados e apoiadores que enriqueciam às custas dos recursos públicos.

Em um canto mais discreto do salão, Jerônimo Abutre observava a cena com expressão impassível, ocasionalmente fazendo anotações em um pequeno caderno. Ao seu lado, a Dra. Sanguessuga sorvia champanhe lentamente.

"Ele está ficando mais ousado," comentou ela em voz baixa.

"Inevitável," respondeu Abutre. "O poder é como uma droga. A dose inicial logo se torna insuficiente."

"E o Projeto Escorpião? Você realmente acha que ele vai adiante com isso?"

"Sem dúvida. Não é mais apenas um instrumento político para ele. Tornou-se uma obsessão pessoal."

Sanguessuga estudou seu champanhe pensativamente. "Isso poderia desencadear consequências que nem mesmo nós podemos controlar."

"Precisamente minha preocupação."

"E o que pretende fazer a respeito?"

Abutre fechou seu caderno, guardando-o cuidadosamente no bolso interno do paletó. "Por enquanto, observar e esperar. Toda maré eventualmente muda de direção."

A festa continuou noite adentro, uma celebração de excesso e poder descontrolado que contrastava dramaticamente com a realidade enfrentada pela maioria dos cidadãos de Pernambuco de Pé.

Nas semanas seguintes, a situação continuou a deteriorar-se. Novas medidas autoritárias eram implementadas quase diariamente. Protestos espontâneos começaram a surgir em várias cidades, apenas para serem rapidamente suprimidos pelas forças de segurança cada vez mais militarizadas.

Em Nova Recife, uma manifestação de professores contra cortes na educação foi dispersada com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Dezenas foram presos sob acusações de "perturbação da ordem pública" e "incitação à subversão" – crimes recentemente criados que permitiam detenção prolongada sem julgamento.

Na Província Norte, tradicionalmente mais independente e crítica ao governo central, a situação era particularmente tensa. O governador, que havia resistido a implementar algumas das diretrizes mais draconianas de Plâncton, enfrentava agora uma investigação por suposta corrupção – evidências fabricadas pelo regime para justificar sua remoção.

Foi neste contexto que o grupo de resistência liderado por Maria Esperança implementou seu plano mais ousado até então. Após semanas de preparação cuidadosa, Miguel havia identificado uma vulnerabilidade no sistema de segurança da instalação onde o misterioso Projeto Escorpião estava sendo desenvolvido.

"É uma janela de oportunidade estreita," explicou ele ao grupo reunido em seu esconderijo. "Durante a manutenção semanal do sistema, há um período de aproximadamente vinte minutos em que posso potencialmente acessar seus servidores remotamente."

"E se conseguir acesso, o que espera encontrar?" perguntou Maria.

"Documentação, especificações técnicas, qualquer coisa que nos diga o que realmente é o Projeto Escorpião. Se for tão perigoso quanto suspeitamos, essas informações poderiam ser cruciais para obter apoio internacional."

"E os riscos?" perguntou Paulo.

Miguel hesitou. "Significativos. Se detectarem a intrusão, poderão rastrear minha localização. E sabemos como o regime lida com 'inimigos do estado'."

Beatriz apertou a mão do namorado. "Deve haver outra maneira."

"Não com o tempo que temos," respondeu ele. "Cada dia que passa, Plâncton consolida mais poder. Se o Projeto Escorpião for concluído..."

Após uma discussão tensa, o grupo concordou em prosseguir. Miguel implementaria sua operação de hacking, enquanto os outros preparavam contingências caso algo desse errado.

Na noite designada, o grupo reuniu-se em um novo local – um apartamento abandonado com conexão à internet que Miguel havia preparado especificamente para esta operação. Equipamentos de informática cuidadosamente modificados para dificultar rastreamento estavam dispostos em uma mesa improvisada.

"Estamos online," anunciou Miguel, seus dedos voando sobre o teclado. "A janela de manutenção começa em três minutos."

O grupo observava em silêncio tenso enquanto linhas de código preenchiam a tela. Para a maioria, era incompreensível, mas a expressão concentrada de Miguel dizia tudo – estavam em território perigoso.

"Estou dentro," murmurou ele eventualmente. "Agora preciso encontrar os arquivos relevantes antes que o sistema volte online."

Os minutos seguintes pareceram se arrastar eternamente. Miguel navegava rapidamente por diretórios de arquivos, ocasionalmente baixando documentos que pareciam promissores.

"Encontrei algo," disse subitamente. "Uma pasta intitulada 'Protocolo Escorpião – Fase Final'. Está fortemente criptografada, mas posso baixá-la agora e tentar decodificá-la depois."

Enquanto o download progredia, uma luz vermelha começou a piscar na tela.

"O que é isso?" perguntou Beatriz, alarmada.

O rosto de Miguel empalideceu. "Detecção de intrusão. Eles perceberam que alguém está no sistema."

"Podem rastrear até nós?"

"Não imediatamente, mas..." Ele digitou furiosamente, tentando fortalecer suas defesas digitais. "O download está quase completo. Só precisamos de mais alguns segundos."

A barra de progresso na tela avançava lentamente – 85%... 90%... 95%...

Subitamente, todas as luzes do apartamento se apagaram. Por um momento aterrorizante, ficaram em completa escuridão.

"Corte de energia no quarteirão," disse Miguel, sua voz tensa na escuridão. "Não é coincidência."

Felizmente, seu laptop tinha bateria própria e continuava funcionando. A tela mostrava 100% – o download havia sido concluído segundos antes do corte.

"Temos que sair daqui. Agora," ordenou Maria. "Eles estão vindo."

O grupo rapidamente recolheu equipamentos essenciais. Miguel transferiu os arquivos baixados para múltiplos dispositivos de armazenamento, entregando-os a diferentes membros do grupo.

"Não saiam juntos," instruiu Maria. "Usem as rotas de fuga que planejamos. Encontrem-se no ponto de reagrupamento em 24 horas."

Enquanto se preparavam para partir, ouviram o som inconfundível de veículos parando abruptamente na rua abaixo, seguido por ordens gritadas e passos pesados nas escadas.

"Tarde demais para a escada," murmurou Paulo. "Teremos que usar a saída pelos fundos."

O grupo moveu-se rapidamente para a janela que dava para uma escada de incêndio. Beatriz foi a primeira a sair, seguida por Paulo e outros dois membros.

Miguel, ainda copiando arquivos para um último dispositivo, fez sinal para Maria seguir. "Vou logo atrás."

Maria hesitou. "Tem certeza?"

"Absoluta. Vá!"

Relutantemente, Maria seguiu os outros pela janela. Mal havia descido alguns degraus quando ouviu a porta do apartamento sendo arrombada violentamente.

De seu ponto na escada de incêndio, ela viu através da janela quando homens armados em uniformes pretos invadiram o cômodo. Miguel, percebendo que não teria tempo de escapar, rapidamente pressionou uma sequência de teclas em seu laptop – um comando de autodestruição que apagaria permanentemente todos os dados.

O último vislumbre que Maria teve de seu jovem aliado foi dele sendo brutalmente derrubado ao chão por agentes do regime, enquanto gritava para ela: "Corra! Conte ao mundo!"

Com o coração pesado mas determinada a não desperdiçar o sacrifício de Miguel, Maria desceu rapidamente a escada de incêndio e desapareceu nas sombras da noite.

Nas 48 horas seguintes, o regime desencadeou a maior operação de busca já vista em Pernambuco de Pé. Checkpoints foram estabelecidos em todas as principais vias. Drones de vigilância patrulhavam os céus. O rosto de Maria Esperança e outros membros conhecidos da resistência aparecia constantemente nos noticiários, identificados como "terroristas perigosos" e "inimigos do estado".

No Palácio Presidencial, Plâncton estava furioso. Em uma reunião de emergência com seu círculo íntimo, ele exigia resultados.

"Como isso pôde acontecer?" gritou, atirando um copo contra a parede. "Vocês me garantiram que nossos sistemas eram impenetráveis!"

O Coronel Tenaz, visivelmente desconfortável, tentou acalmar a situação. "Capturamos o hacker principal, senhor Presidente. Ele está sendo... interrogado... intensivamente. Logo teremos os nomes de todos os envolvidos."

"E os arquivos? O que ele conseguiu acessar?"

Um técnico de segurança cibernética, tremendo ligeiramente sob o olhar furioso de Plâncton, consultou suas anotações. "Principalmente documentação técnica sobre o Projeto Escorpião, senhor. Especificações, cronogramas, alguns memorandos internos."

"Maldição!" Plâncton socou a mesa. "Se essas informações vazarem..."

"Estamos rastreando todos os possíveis receptores," garantiu o Coronel. "Nossas equipes têm ordens de usar força máxima para recuperar qualquer dispositivo de armazenamento."

Jerônimo Abutre, que observava a cena com sua habitual calma exterior, finalmente falou: "Talvez devêssemos considerar modificar o cronograma do Projeto Escorpião. Se informações sensíveis foram comprometidas—"

"Não!" interrompeu Plâncton veementemente. "Não recuaremos. Pelo contrário, aceleraremos. Se estão tentando nos parar, é porque temem o que estamos prestes a alcançar."

"Mas as implicações internacionais—"

"Serão irrelevantes uma vez que o projeto esteja concluído," cortou Plâncton. "Quando tivermos essa capacidade, poderemos negociar em nossos próprios termos. Ninguém ousará interferir."

O silêncio que seguiu foi carregado de tensão. Mesmo os mais leais assessores de Plâncton começavam a questionar privadamente se seu líder havia perdido o contato com a realidade.

Enquanto isso, em um esconderijo improvisado nos subúrbios de Nova Recife, os membros sobreviventes do grupo de resistência tentavam decifrar os arquivos que Miguel havia conseguido baixar antes de ser capturado.

"A maior parte está em código ou linguagem técnica que não compreendo completamente," admitiu Beatriz, que havia assumido a tarefa de análise preliminar. Seus olhos estavam vermelhos – parte pelo esforço de examinar documentos por horas a fio, parte pelas lágrimas derramadas pelo destino incerto de Miguel.

"O que conseguiu entender até agora?" perguntou Maria.

"O suficiente para confirmar nossas piores suspeitas. O Projeto Escorpião parece ser algum tipo de arma biológica avançada. Algo relacionado a um patógeno modificado que pode ser direcionado para afetar populações específicas."

Paulo empalideceu. "Meu Deus. Ele enlouqueceu completamente?"

"Há mais," continuou Beatriz. "Referências a instalações de produção em massa sendo preparadas. Um cronograma de implementação que menciona 'demonstração de capacidade' em um futuro próximo."

"Precisamos levar isso para fora do país imediatamente," decidiu Maria. "Contatos internacionais, imprensa estrangeira, organizações de direitos humanos – todos precisam saber."

"Como?" perguntou um dos membros mais jovens do grupo. "As fronteiras estão fechadas. Comunicações internacionais estão sendo monitoradas. Estamos praticamente isolados."

Maria pensou por um momento. "Tenho um contato na embaixada americana. Alguém que conheci durante minha carreira acadêmica. Se conseguirmos entregar esses documentos a ele..."

"A embaixada americana está sob vigilância constante," alertou Paulo. "Aproximar-se dela seria suicídio."

"Então precisamos de uma distração," concluiu Maria. "Algo grande o suficiente para desviar a atenção das forças de segurança, mesmo que brevemente."

O grupo passou as horas seguintes elaborando um plano desesperado. Sabiam que as chances de sucesso eram mínimas, mas também sabiam que o custo da inação seria incalculavelmente maior.

No dia seguinte, enquanto o sol se punha sobre Nova Recife, uma série de explosões coordenadas atingiu a rede elétrica da cidade, mergulhando vários distritos na escuridão. Simultaneamente, manifestações espontâneas (na verdade, cuidadosamente orquestradas pela resistência) eclodiram em pontos estratégicos, forçando as forças de segurança a se dispersarem.

Aproveitando a confusão, Maria Esperança, disfarçada como uma funcionária de limpeza, conseguiu aproximar-se da embaixada americana. Em um breve encontro em um café próximo, entregou um dispositivo de armazenamento contendo os arquivos do Projeto Escorpião a Jonathan Smith, um funcionário da embaixada que havia sido seu aluno anos antes.

"Isso precisa chegar a Washington imediatamente," instruiu ela urgentemente. "É literalmente uma questão de vida ou morte para milhões."

Smith, reconhecendo a gravidade da situação pelo tom de sua antiga professora, assentiu. "Farei o possível. Mas você precisa se esconder, Maria. Eles estão caçando você por toda parte."

"Não importa o que aconteça comigo. Apenas garanta que o mundo saiba a verdade."

Com essas palavras, eles se separaram – Smith retornando discretamente à embaixada, Maria desaparecendo nas ruas caóticas da capital.

Horas depois, quando a ordem começava a ser restaurada, Plâncton recebia notícias alarmantes. Um informante dentro da embaixada americana havia relatado atividade incomum – comunicações urgentes sendo enviadas para Washington, mencionando "evidências de programa de armas biológicas" e "violações graves de tratados internacionais".

"Eles sabem," murmurou Plâncton, seu rosto contorcendo-se em uma máscara de fúria. "Aqueles malditos traidores conseguiram passar informações para os americanos."

O Coronel Tenaz, que havia entregado pessoalmente o relatório, aguardava instruções. "Devemos intensificar a busca pelos fugitivos, senhor Presidente?"

"Sim, mas isso não é mais suficiente." Plâncton levantou-se, caminhando até a janela de seu escritório para contemplar a cidade parcialmente às escuras abaixo. "Precisamos implementar o Protocolo Contenção imediatamente."

O Coronel hesitou. "Senhor, o Protocolo Contenção não foi projetado para ser implementado tão... abruptamente. Há preparativos necessários, considerações logísticas—"

"Não me interessa!" explodiu Plâncton. "Estamos sob ataque. Traidores internos conspirando com potências estrangeiras para derrubar meu governo. Isso é praticamente uma declaração de guerra."

"Como desejar, senhor Presidente," respondeu o Coronel, reconhecendo a futilidade de argumentar. "Iniciarei os preparativos imediatamente."

Após a saída do Coronel, Plâncton convocou Abutre para uma conversa privada.

"Você sabia disso?" perguntou sem preâmbulos. "Sabia que informações sobre o Projeto Escorpião seriam vazadas?"

Abutre manteve sua expressão neutra. "Claro que não, senhor Presidente. Por que eu saberia?"

"Porque você tem expressado... reservas... sobre o projeto. Porque ultimamente você parece menos comprometido com nossa visão."

"Minhas reservas são puramente estratégicas, não morais," respondeu Abutre cuidadosamente. "Sempre aconselhei cautela e planejamento meticuloso. Precipitação leva a erros, e erros podem ser fatais em nossa posição."

Plâncton estudou seu estrategista por longos momentos, como se tentasse enxergar através de sua máscara de calma profissional. "O Protocolo Contenção será implementado amanhã. Espero sua cooperação total."

"Naturalmente, senhor Presidente."

Quando Abutre saiu do escritório, encontrou a Dra. Sanguessuga esperando no corredor.

"Ele vai mesmo fazer isso?" perguntou ela em voz baixa.

Abutre assentiu quase imperceptivelmente. "Amanhã."

"Então chegamos ao ponto sem retorno."

"Parece que sim."

Trocaram um olhar carregado de significado antes de seguirem em direções opostas – cada um para implementar seus próprios planos contingenciais para o caos que certamente se seguiria.

Na manhã seguinte, os cidadãos de Pernambuco de Pé acordaram para uma realidade transformada. Durante a madrugada, o Protocolo Contenção havia sido silenciosamente ativado.

Todas as fronteiras foram seladas. Internet e comunicações internacionais, cortadas. Forças militares assumiram o controle de infraestrutura crítica – usinas de energia, estações de tratamento de água, centros de distribuição de alimentos.

Às 9h, Plâncton apareceu em uma transmissão nacional de emergência, seu rosto uma máscara de gravidade estudada.

"Cidadãos de Pernambuco de Pé," começou ele, sua voz assumindo um tom solene que contrastava com a fúria que seus assessores haviam testemunhado horas antes. "É com profundo pesar que me dirijo a vocês nesta manhã. Nosso amado território enfrenta uma ameaça sem precedentes à sua segurança e soberania."

Ele fez uma pausa dramática antes de continuar: "Evidências irrefutáveis revelam uma conspiração internacional para desestabilizar nosso governo e subjugar nossa nação. Agentes estrangeiros, trabalhando com traidores internos, planejam uma intervenção militar iminente sob pretextos fabricados."

A câmera aproximou-se de seu rosto, capturando sua expressão de determinação feroz. "Mas não nos renderemos. Não nos curvaremos. Em resposta a esta ameaça existencial, declarei estado de emergência nacional. Medidas temporárias de segurança estão sendo implementadas para proteger nossa pátria e nosso povo."

Ele então detalhou as "medidas temporárias" – que na prática significavam lei marcial completa. Toque de recolher. Suspensão de direitos constitucionais. Detenção preventiva de "elementos suspeitos". Controle governamental direto sobre todos os meios de comunicação.

"Estas medidas podem parecer severas," admitiu, seu tom suavizando momentaneamente, "mas são absolutamente necessárias para nossa sobrevivência como nação soberana. Peço sua compreensão, cooperação e, acima de tudo, sua confiança. Juntos, superaremos esta crise e emergiremos mais fortes do que nunca."

A transmissão terminou com o hino nacional e imagens de tropas marchando – uma demonstração de força destinada tanto a intimidar opositores internos quanto a enviar uma mensagem para observadores externos.

Nas horas que se seguiram, ondas de prisões varreram o país. Listas previamente preparadas de "elementos subversivos" foram ativadas. Qualquer um remotamente conectado à oposição – professores, jornalistas, ativistas, até mesmo cidadãos comuns que haviam expressado críticas nas redes sociais – foram arrastados de suas casas e levados para "centros de processamento" improvisados.

A resistência, já operando na clandestinidade, foi forçada a mergulhar ainda mais fundo nas sombras. Comunicações tornaram-se quase impossíveis. Esconderijos que pareciam seguros subitamente tornaram-se armadilhas mortais à medida que informantes, motivados por medo ou recompensas, entregavam localizações às autoridades.

Maria Esperança, que havia conseguido escapar da operação na embaixada americana, encontrava-se agora isolada em um porão úmido nos subúrbios industriais de Nova Recife. Seu único consolo era a esperança de que os documentos sobre o Projeto Escorpião tivessem chegado a Washington e que, de alguma forma, o mundo exterior interviria antes que fosse tarde demais.

O que ela não sabia – o que ninguém dentro de Pernambuco de Pé poderia saber devido ao blackout informacional – era que suas esperanças não eram infundadas.

Em Washington, os documentos entregues por Jonathan Smith haviam de fato causado comoção nos mais altos níveis do governo americano. Analistas de inteligência confirmaram a autenticidade das informações e a gravidade da ameaça representada pelo Projeto Escorpião.

Reuniões de emergência do Conselho de Segurança Nacional foram convocadas. Contatos diplomáticos com outras potências foram iniciados. Planos de contingência militar começaram a ser elaborados.

O mundo estava finalmente prestando atenção ao que acontecia em Pernambuco de Pé. Mas para os cidadãos presos sob o regime cada vez mais paranoico e brutal de Plâncton, essa atenção internacional chegaria a tempo?

A resposta a essa pergunta permanecia incerta enquanto o território brasileiro na Europa mergulhava mais profundamente nas trevas da tirania – uma tirania construída sobre uma vitória manipulada e sustentada pelo medo, pela mentira e pela repressão implacável.